Biden, OTAN e Malvinas --- créditos MSIA


 



Biden, OTAN e Malvinas

Para que não reste qualquer dúvida nos que ainda pensam que os Estados Unidos são confiáveis para os interesses de um Brasil Soberano, vale prestar atenção nas declarações do então senador estadunidense Joseph “Joe” Biden, em 1982, alinhando-se aos interesses do Reino Unido durante a Guerra das Malvinas, por ser um aliado na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), ao mesmo tempo em que menospreza o pacto de segurança hemisférica.

Em abril de 1982, após a captura das Ilhas Malvinas pelas Forças Armadas argentinas, ocorrida no dia 2 daquele mês, o Senado dos EUA aprovou por 79 votos a um uma moção apresentada pelo democrata Biden, propondo que os EUA apoiassem abertamente o Reino Unido no iminente confronto militar com a Argentina. Dias antes, Biden foi entrevistado pela jornalista Barbara Frum, da rede canadense CBC, ocasião na qual deixou claro onde deveriam ficar as lealdades estadunidenses, como se vê na entrevista reproduzida ao final.

De fato, a conduta dos EUA durante o conflito no Atlântico do Sul detonou o sistema de segurança baseado no Tratado Interamericano de Assistência Reciproca (TIAR), o Tratado de Rio de Janeiro, assinado nesta cidade em 1947 e em vigor desde dezembro de 1948. O tratado estabelecia que um ataque contra um de seus membros seria considerado como um ataque contra todos, o mesmo princípio que configura o célebre Artigo 5 da constituição da OTAN. Para Biden, como a posição de seu governo, prevaleceu o princípio da OTAN.

Rompido o sistema de segurança hemisférica, no mesmo ano, o Establishment anglo-americano fundou o Diálogo Interamericano, sob os auspícios da Fundação Rockefeller e do Instituto Aspen, com a intenção de recriar uma ordem hemisférica. A ordem proposta já não contemplava uma política de defesa, mas, em nome de um “Projeto Democracia”, submeter as Forças Armadas ibero-americanas a um processo de “desmilitarização” e retirando-lhes qualquer papel ativo no desenvolvimento econômico dos seus países. Para Washington, “desmilitarizar” e retirar do Estado o controle das grandes empresas estratégicas passaram a ser os novos objetivos da ordem hemisférica. Da mesma maneira, se pôs em marcha uma vasta campanha do que viria a ser conhecido como guerra híbrida, empregando o movimento ambientalista-indigenista internacional como um aríete político contra a soberania efetiva dos Estados nacionais e o seu controle efetivo de grandes áreas ricas em matérias-primas estratégicas.

Ainda que a “Nova Ordem Mundial” fosse oficialmente inaugurada com a guerra contra o Iraque, em 1991, para o Hemisfério Ocidental, ela se iniciou com o deslocamento “extrajurisdicional” da OTAN, em 1982, nas Malvinas, e em dezembro de 1989, na invasão do Panamá. De fato, as Forças Armadas brasileiras entenderam que se inaugurava uma nova fase da geopolítica mundial, implicando na necessidade de transferir forças terrestres à estratégica Região Amazônica, ao mesmo tempo em que os governos da “Nova República” estrangulavam deliberadamente os orçamentos militares e as instituições militares eram submetidas a toda sorte de ataques por segmentos políticos revanchistas.

A participação direta da OTAN na criação do movimento ambientalista e a maneira como vem se conduzindo no conflito entre a Rússia e a Ucrânia – em essência, resultado da agressiva estratégia de expansão da Aliança – devem servir de alerta e motivação para a recriação dos acordos de defesa no âmbito da América do Sul, que foram congelados por motivos ideológicos.

A seguir, a entrevista de Biden com Barbara Frum.

Barbara Frum – Há um sentimento em Washington de que os esforços diplomáticos devem continuar, mas a Argentina deve saber que, se a guerra estourar, os Estados Unidos apoiarão firmemente a Inglaterra. Hoje, o secretário de Estado Alexander Haig manteve uma reunião informativa com o comité de Relações Exteriores do Senado sobre a situação das negociações. O senador Joseph Biden estava nessa reunião. Ele é um senador democrata que propõe uma resolução de apoio à Grã-Bretanha.

Após o encontro com Alexander Haig, como o senhor vê as possibilidades de uma solução diplomática?

Joseph Biden – Bem, acho que o secretário de Estado foi correto em sua avaliação de que as oportunidades são muito poucas. Prefiro não comentar o que foi dito naquela reunião, que foi secreta, na qual o secretário de Estado informou sobre o andamento das negociações, exceto que elas estão ocorrendo e que o governo tem esperança.

BF – É muito prudente o que dizem, porque vemos que o Senado está tentando se envolver talvez mais com o lado britânico. Isto depende de como o senhor avalia as chances de um avanço diplomático iminente?

JB – Bem, não é bem assim, minha resolução é definir de que lado estamos, e este é o lado britânico. Na verdade, acredito em ajudar o processo e não diminuir as chances de negociação. Acho que os argentinos têm que se livrar da noção de que os Estados Unidos são realmente neutros nesse assunto. É por isso que não acredito que minha resolução para que o Congresso expresse publicamente o seu apoio à posição británica, só ajude.

BF – Como o senhor acha que isso pode ajudar, porque essa resolução pode derrubar o governo argentino? Isso seria aceitável para o senhor?

JB – Não, isso não é aceitável no sentido de que eu queira. Mas os fatos deste assunto tocam em algo que é de grande interesse hemisférico para os Estados Unidos. Em primeiro lugar, eu diria que para o Canadá também seria importante. A questão é que, se permitirmos a solução de reclamações ou disputas pela força, nesta parte do hemisfério, incentivaremos outra série de atos e não apenas esse. Em segundo lugar, a OTAN é uma aliança em que assumimos um compromisso sólido, e está claro que o agressor é a Argentina, e está claro que a Inglaterra está certa e, também, deve ficar perfeitamente claro para todos quem os Estados Unidos apoiam.

BF – O senhor mencionou os interesses hemisféricos dos Estados Unidos, vamos em frente. A OEA [Organização dos Estados Americanos] manifestou o seu apoio à soberania da Argentina. Os Estados Unidos não perdem algo nas relações hemisféricas, com a sua proposta?

JB – Não há dúvida de que os Estados Unidos perderão alguma coisa, aconteça o que acontecer. A questão é que nós, na minha opinião, vamos perder muito mais se não nos definirmos pelos nossos princípios e em favor daqueles que têm sido nossos aliados, e se não apoiarmos a aliança que é a mais importante para o Estados Unidos.

BF – Rapidamente, o senhor pode me dizer como vê o apoio da URSS à Argentina? Se com essa posição não estamos dando a eles uma nova entrada na América Latina?

JB – Insignificantes, acho que as ações da URSS são insignificantes. A sua capacidade na região é limitada, não há evidências de que os soviéticos estejam fazendo grandes movimentos para intervir em qualquer lugar do hemisfério.

BF – O senhor se sentiria mal se o governo de [o presidente argentino Leopoldo] Galtieri caísse?

JB – Eu lamentaria ver uma mudança na situação, que permitisse uma maior influência da URSS ou do comunismo no hemisfério. Mas lamentaria ainda mais se arruinássemos uma situação já frágil e débil em relação à OTAN e à solidariedade da OTAN.

O vídeo com a entrevista pode ser visto neste link: https://www.youtube.com/watch?v=3C9hxsRO7pI 


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