Blog do Capitão Fernando - Um espaço para a discussão do Brasil.
Contatos:
Whatsapp: (51) 986388430 --- blogdocapitaofernando@gmail.com --- Instagram @blogdocapitaofernando
Rede LFS de Comunicação - aqui informamos a Família Brasileira. Já falamos com 6 milhões de pessoas. Crescemos em um ritmo de mais 3 milhões de pessoas por ano.
A cultura do fuzil nas organizações criminosas brasileiras reflete uma complexa teia de fatores sociais, econômicos e culturais que perpetuam a violência e o poder paralelo em diversas comunidades.
A exibição de armamentos pesados, como fuzis, tornou-se símbolo de status e domínio entre facções criminosas, especialmente em estados como o Rio de Janeiro.
Eventos culturais, como bailes funk, frequentemente servem de palco para a ostentação dessas armas, integrando a violência ao cotidiano e à identidade de certas comunidades. Essa normalização da presença de indivíduos armados em espaços públicos contribui para a romantização do crime e a difusão de uma "narcocultura" que atrai jovens e reforça a influência das facções.
A aquisição e circulação desses armamentos pesados são facilitadas por fronteiras porosas e fiscalização insuficiente, permitindo que fuzis e outras armas de guerra cheguem às mãos de criminosos. O alto custo dessas armas no mercado ilegal não impede sua proliferação, evidenciando a lucratividade das atividades ilícitas e a prioridade dada ao poder de fogo pelas organizações criminosas.
Além disso, a corrupção e o desvio de armas de instituições oficiais e de clubes de tiro agravam o problema, fornecendo arsenais para facções e milícias. Casos de atiradores desportivos envolvidos no fornecimento de armas para o crime organizado ilustram a fragilidade dos mecanismos de controle e a necessidade de regulamentações mais rigorosas.
A presença ostensiva de fuzis nas mãos de criminosos não apenas desafia as forças de segurança, mas também impõe um regime de medo e submissão às comunidades afetadas. A normalização dessa violência e a aceitação passiva ou até admirativa por parte de alguns moradores refletem um fenômeno que o filósofo francês Étienne de La Boétie denominou de "servidão voluntária", onde a opressão é mantida pelo consentimento dos próprios oprimidos.
Enfrentar a cultura do fuzil nas organizações criminosas exige uma abordagem multifacetada, que inclua o fortalecimento das instituições de segurança, políticas públicas eficazes de controle de armas, combate à corrupção e, fundamentalmente, investimentos em educação e oportunidades para os jovens. Somente assim será possível romper o ciclo de violência e oferecer alternativas reais àqueles que, por falta de opções, veem no crime uma forma de ascensão social e pertencimento.
A atual estrutura de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear (DQBRN) do Exército Brasileiro (EB) reflete sua evolução ao longo de mais de 100 (cem) anos de história em apoio à sociedade brasileira. Neste contexto, merece destaque todo o trabalho de coordenação da DQBRN que a Força conduziu por ocasião dos Grandes Eventos ocorridos no Brasil, em especial, no marco temporal de 2012 a 2016.Neste período, o Brasil foi sede de diversos eventos internacionais, dentre eles a RIO+20 (2012), a Copa das Confederações e do Mundo (2013 e 2014), Jornada Mundial da Juventude (2013) e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos RIO-2016. Estes eventos foram palco de milhares de pessoas de todas as partes do mundo no território nacional, projetando a imagem do País.O emprego de frações do EB em eventos de grande visibilidade teve início no mês de julho de 2007, onde a então Companhia DQBN foi empregada nos Jogos Panamericanos 2007, de forma pioneira no âmbito das Forças Armadas. Naquela ocasião, a ...
Delinquentes de Estado: A Ameaça Silenciosa que Corrói a Democracia Brasileira.
*Dirceu Lopes - Militante Social e Político
O Povo e a Nação Brasileira exige "Políticas de Estado" claras e permanentes, infelizmente o que temos hoje incrustado nos diversos setores do aparato Estatal Brasileiro são "Delinquentes de Estado", parasitas sanguinários lesa pátria.
Os "Delinquentes de Estado" são agentes que operam silenciosamente no poder, aproveitando brechas institucionais para camuflar atos ilícitos. Sob discursos, bem articulados, em defesa do povo, ocultam interesses pessoais e manipulam leis, regulamentos e decisões para garantir impunidade e enriquecimento. Suas ações frequentemente contam com apoio de relações internacionais, ampliando sua influência e proteção, e, quando ameaçados, recorrem à violência contra adversários, atacando diretamente a democracia e o Estado de Direito.
Esses indivíduos utilizam a estrutura estatal como escudo para práticas obscuras, enquanto apresentam uma retórica que aparenta compromisso com políticas públicas e bem-estar social. Nos bastidores, manipulam pautas para favorecer interesses próprios e de aliados. Além disso, seus vínculos internacionais garantem suporte para ampliar o controle sobre a máquina pública, silenciar críticos e, em casos extremos, eliminar opositores, agravando a fragilidade democrática.
Por meio de discursos habilidosos, relativizam dados e problemas reais para preservar um sistema que sustenta seus privilégios. Transformam a defesa de direitos em estratégia para mascarar intenções, corroendo o pacto social e alinhando-se a interesses externos que lucram com a vulnerabilidade nacional. Paralelamente, recorrem a métodos violentos para neutralizar opositores, minando os valores fundamentais da liberdade e da justiça.
Esses delinquentes se adaptam a cada novo cenário político, ajustando discursos e políticas conforme as demandas populares, mas sempre com o intuito de consolidar poder e privilégios. Seus projetos aparentam ser inovadores, mas escondem brechas que facilitam o desvio de recursos. Além disso, utilizam estratégias de repressão e violência para eliminar ameaças, perpetuando uma rede que lhes garante segurança e impunidade.
O domínio das engrenagens do Estado permite que insiram aliados estratégicos em posições-chave e manipulem diversas esferas, como mídia e justiça, para silenciar vozes dissidentes. Com o apoio de influências externas, mantêm fortunas ilícitas e bloqueiam iniciativas de responsabilização. Em paralelo, promovem repressão direta contra adversários, consolidando sua ameaça ao Estado de Direito e enfraquecendo a democracia.
O impacto dessas ações se reflete na descrença popular nas instituições, fortalecendo a alienação e o cinismo. Escândalos abafados e denúncias ignoradas agravam a crise de confiança, criando terreno fértil para a continuidade da pilhagem estatal. Com as bases democráticas minadas, os Delinquentes de Estado perpetuam um sistema desigual e opressor, condenando a maioria ao silêncio e à impotência. Até quando conviveremos com esta barbárie contra a democracia brasileira?
É preciso que a Cidadania Brasileira reaja imediatamente e energicamente a este modelo sistemático e perverso que se instalou no País, sob pena de virarmos uma nação amordaçada pelo medo e tirania.
O conceito de liberdade está presente nas revoluções que fundam a modernidade: (a) a Revolução Inglesa, em 1642, para derrotar o absolutismo rumo à monarquia constitucional para submeter o rei ao Parlamento; (b) a Revolução dos Estados Unidos, em 1776, cuja Declaração de Independência põe fim ao exógeno domínio anglo-saxônico sobre as treze colônias e; (c) a Revolução Francesa, em 1789, que derruba a monarquia absolutista em nome da República e da própria Humanidade.
As liberdades individuais são decisivas para a consecução da tríplice soberania – a representativa, a nacional e a popular. Historicamente os direitos civis precederam os direitos políticos e sociais. A liberdade então tinha vetor revolucionário, abria horizontes, não se confinava em shopping centers.
David Harvey, em Crônicas anticapitalistas, retoma os temas de feições anarquistas com ênfase no autoritarismo ao sugerir que os ideais libertários são a marca do Maio de 1968, pelas demandas por: (a) liberdade da coerção estatal; (b) liberdade da coerção do mercado; (c) liberdade da coerção do capital corporativo e; (d) liberdade da coerção moral e dos costumes. Tudo temperado na igualdade.
A resposta do neoliberalismo para absorver e neutralizar a alta tensão nas instituições é canalizar o legítimo desejo de autonomia dos indivíduos para as aspirações mercadológicas. O transformismo burguês joga no liquidificador as pautas dos enfants terribles para misturar e redirecionar as baterias contra os órgãos de regulamentação estatais, jogando toda energia disponível no moinho do capital.
O eclipse da liberdade
A arte de fazer as cabeças eclipsa a liberdade e deflagra uma “guerra cultural”. Por paradoxal, para tachar de autoritário o Partido dos Trabalhadores (PT) que emula o Orçamento Participativo (OP) e o Fórum Social Mundial (FSM), o movimento dos movimentos. Nesta realidade paralela, fabrica idolatrias tipo Viktor Orbán (Hungria), Benjamin Netanyahu (Israel) e Donald Trump (EUA) para os quais o Estado de direito democrático é um instrumento para configurar regimes de exceção. A nova razão do mundo submete a democracia e a liberdade às desregulamentações, às privatizações e aos ajustes fiscais para barrar gastos sociais. A demagogia e as fake news fazem parte do cardápio.
Os neoliberais creem que o reino da liberdade coincide com o livre mercado para os objetivos da acumulação. A visão economicista relega a segundo plano a realização dos seres humanos. É fácil identificar os think tanks da mais-valia. “Todos têm o pensamento de dono”, nas palavras de um membro exponencial do Instituto de Estudos Empresariais (IEE). Do charmoso Mont Pèlerin, os neocolonizadores projetam a globalização da hierarquia de mando e obediência sobre o mundo.
“O planejamento econômico e o controle vêm sendo atacados como negação da liberdade, enquanto a empresa livre e a propriedade privada são consideradas essenciais à liberdade”, frisa Karl Polanyi, em A grande transformação. Com efeito, a meta não é construir a igualdade, mas a desigualdade. O desemprego é premeditado para enfraquecer o aparato sindical e legitimar os arrochos salariais, apresentados como modernização das relações de trabalho com o aval classista do judiciário. Assim, o distopismo conservador converte a meta do Estado de bem-estar em um grave desequilíbrio fiscal.
Os avanços políticos alcançados na geração de emprego e na distribuição de renda são denunciados “como camuflagem da escravidão”. Não são permitidas as transgressões ao laissez-faire do deus-mercado. Medidas para curar as dores das iniquidades frustram os lucros. A insensatez prefere os indicadores, para baixo, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Sociedades erguidas sobre alicerces distintos não merecem o batismo de “livres”, ainda que possam contemplar mais e melhor a população. O individualismo e a indiferença com o sofrimento do povo injeta a narrativa, na veia, que evoca a praga de Margaret Thatcher: “Não há alternativa”. Resta apenas a servidão voluntária.
Na dialética desse paredão, o capitalista pode: (a) maximizar as taxas de exploração com o aumento da produtividade e a diminuição dos predicados trabalhistas e; (b) impedir a quebra de patentes das inovações tecnológicas em favor das comunidades. Enquanto o trabalhador pode: (a) escolher o emprego e; (b) resistir com base na liberdade de consciência e de associação, que compõem o rol de prerrogativas cívicas no programa do socialismo democrático. Tal é o “pode-pode” sistêmico atual.
Para resgatar a liberdade
O acesso universal à moradia e à esfera de sociabilidade pública são trocados pelo “totalitarismo da mercadoria”. O Consenso de Washington é apresentado como panaceia. Londres contabilizava 60% de moradias sociais não avaliadas pelo valor de troca, mas pelo valor de uso; hoje fruto da metódica especulação dispõe de menos de 20%. No Brasil, o Minha Casa, Minha Vida procura se precaver no faroeste imobiliário que dinamita a gramática comunitária para tratar tudo como uma mercadoria.
A democracia de proprietários confronta o construto histórico da cidadania e a constitucionalidade das nações modernas. Azar dos perdedores se Nova York soma 65 mil pessoas em situação de rua, em 2023, e São Paulo lidera o ranking brasileiro do desamparo com 55 mil entregues ao coração do padre Júlio Lancellotti. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) é um antídoto contra as tendências desagregadoras do mercado. “A verdade é que estamos construindo cidades para que as pessoas especulem, e não cidades para que as pessoas vivam”, arremata David Harvey. Moradas a preços acessíveis são volatizadas com a explosão de imóveis para o consumo dos endinheirados.
Esse é o obstáculo estrutural às iniciativas para a reconstrução do Rio Grande do Sul, pelo governo federal. A inaptidão das autoridades em nível estadual e local combinada com a inexistência de domicílios suficientes, ao custo de até R$ 200 mil, são os empecilhos que se apresentam contra o saneamento do desastre. As megaconstrutoras preferem investir em arranha-céus e prédios de luxo. Democratizar o processo de habitação é reinstalá-lo na condição de bem social. Barcelona proibiu dez mil alugueis tipo Airbnb. Nenhum Plano Diretor municipal deve proteger o lucro dos rentistas.
Vale para o transporte de massas, o abastecimento hídrico e a energia elétrica. Serviços privatizados agravam tragédias “naturais” e desculpam desgovernos incompetentes, sem transparência. Práticas governamentais terceirizadas contribuem para a destruição material e simbólica do comunitarismo. A financeirização usa eventos socioambientais para desmilinguir os entes públicos e aprofundar o eugenismo. Cabe à esquerda desfraldar as bandeiras pelo caminho: “En la lucha de classes / todas las armas son buenas / piedras / noches / poemas”, conforme o poeta samurai Paulo Leminski.
É urgente romper os grilhões da desumanização. A possibilidade de uma existência autêntica, com a ampliação radical da liberdade, supõe a superação do reino da necessidade e do trabalho alienado. A consolidação de um patamar de dignidade mínima propicia a socialização dos novíssimos valores. Com a subsistência assegurada, a sociedade usufrui de cada qual segundo sua capacidade. Mas para não incorrer em um utopismo estéril, é mister fixar os elementos políticos do período de transição.
Em um debate com Rahel Jaeggi, Nancy Fraser sublinha: “É inconcebível uma sociedade desejável, capitalista ou pós-capitalista, que não conceda papel importante ao planejamento. O planejamento pode e deve ser democrático. Ele não requer a nomenklatura ou o governo de técnicos especialistas. Poderíamos lidar com uma questão como a mudança climática sem algum planejamento de grande escala? Um bloqueio sistêmico dessa escala não pode ser feito por pequenos coletivos”. A atual crise ecológica põe em destaque a urgência das articulações transnacionais. Somente a democracia global garante vida longa ao Homo sapiens e ao locavorismo, para a produção local de alimentos.
Só com o planejamento e o controle democrático sobre o excedente social, com regulação (de fora) da economia e as modificações (por dentro), é possível sedimentar os conteúdos emancipadores. A interrupção da mudança no clima do planeta para fruição da vida pessoal depende de uma cultura da solidariedade e da participação. As posições paliativas subestimam o perigo na esquina. A virtude não está no centro, senão na luta coletiva real para derrotar o neofascismo e o neoliberalismo e seu apêndice conservador. A rapina semeia a infelicidade, a atomização. Arruína a sociabilidade plural. Já a práxis transformadora fortalece os lemas da Idade Moderna: liberdade, igualdade, fraternidade.
Luiz Marques é docente de Ciência Política na UFRGS; ex-Secretário de Estado da Cultura no Rio Grande do Sul
Este é um artigo autoral. A opinião contida no texto é de seu autor e não representa necessariamente o posicionamento da Fundação Perseu Abramo.
Em 30/05/2023, no expediente deliberativo da CPI do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) – CPIMST, foi aprovado o requerimento n. 34/2023 do Deputado Nilto Tatto (PT-SP), também subscrito pelos deputados e deputadas Camila Jara (PT-MS), Gleisi Hoffmann (PT-PR), João Daniel (PT-SE), Marcon (PT-RS), Padre João (PT-MG), Paulão (PT-AL), Valmir Assunção (PT-BA), que solicita realização de reunião para contextualizar e apresentar diagnóstico da situação agrária brasileira, requerendo, para tanto que eu seja convidado como expositor.
Ainda está pendente de deliberação, requerimento do PSOL, subscrito pelas deputadas Sâmia Bomfim (SP) e Talíria Petrone (RJ) que, com base no artigo 58 da Constituição Federal e no artigo 36 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, pedem a realização de reunião na Comissão Parlamentar de Inquérito, com o objetivo de discutir sobre o papel da Constituição Federal de 1988 e a questão agrária, com convite aos seguintes especialistas: além de também a mim indicar, pelas qualificações de Professor Titular da Universidade de Brasília, ex-diretor da Faculdade de Direito da UnB e ex-reitor da mesma instituição; me coloca na melhor companhia, indicando também a minha colega de universidade Ela Wiecko, membro aposentada do Ministério Público Federal, onde exerceu as funções de Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Vice-Procuradora Geral da República e Vice-Presidente do Conselho Superior do MPF e o jurista Pedro Serrano, Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo de Direito Constitucional e Teoria Geral do Direito.
Já nesse requerimento, o pedido é para que se realize audiência pública, ao fundamento de que a “CPI tome conhecimento de informações, notas técnicas, pesquisas e estudos acadêmicos sobre a questão agrária no país, com o objetivo de proporcionar uma melhor elucidação dos aspectos técnicos e jurídicos das questões que serão tratadas durante os trabalhos” da Comissão.
Para as autoras do requerimento “Os juristas convidados podem contribuir sobre os aspectos e princípios fundamentais da Constituição Federal e a questão agrária no nosso país. É essencial que esta CPI ouça especialistas no campo Constitucional para traçar o melhor panorama para seus trabalhos”.
Agora, no dia 14 de junho, sobre esses pressupostos, se instalou a sessão para o depoimento que prestei a CPI. Devo dizer, de saída, que o convite não só me honra mas dá continuidade a um compromisso de participação no processo legislativo, uma experiência que comecei a vivenciar ao tempo da realização da Assembleia Nacional Constituinte, entre 1987 e 1988 quando se estabeleceu pela primeira vez esse diálogo entre a representação parlamentar e a cidadania ativa, no próprio processo. Recordo-me então, ter representado a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, da CNBB, como expositor em audiência pública na 12ª reunião da Subcomissão dos Direitos Políticos e Garantias Individuais da Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da Mulher, em 30 de abril de 1987, com o tema “A construção social da cidadania: instrumentos de Participação Direta e de Iniciativa Populares como Garantias da Cidadania”.
Para Eneida Vinhaes Bello Dultra e Sabrina Durigon Marques, autoras do ensaio “O Legislativo Convida Professor José Geraldo de Sousa Jr: Tecendo o Fio Democrático da Formação Jurídica Crítica no Espaço da Política”, (in Direito.UnB Revista de Direito da Universidade de Brasília, volume 6, número 2, maio-agosto de 2022: Direito Achado na Rua: Contribuições para a Teoria Crítica do Direito, p. 295-310),
Naquele momento tão importante de consolidação da democracia no Brasil, fez uma defesa enfática pelo direito de conquista da cidadania, não restrito apenas à defesa de determinados direitos, mas que se corporificam como lutas para constituição como sujeito social, que emerge e se emancipa consciente de suas próprias forças.
Na sequência o ensaio percorre uma longa série de participações, na Câmara, no Senado ou em comissões mistas, em que as autoras encontram um vetor que denominam a promoção de “diálogo entre a Academia e [o] Poder Legislativo como forma de afirmar a relevância da democracia tanto para a ação política quanto na formação jurídica defendida como instrumento de liberdade [obtendo-se como resultado] um fio condutor que transporta os valores democráticos por meio da defesa inconteste da cidadania ativa e da sustentação do sujeito coletivo de direitos que emerge e conduz o processo de transformação em busca da justiça social”.
Esse o primeiro balizamento contextual que busco estabelecer. São 35 anos de amadurecimento de um programa constitucional que coloca a democracia e a justiça social em seu centro de realização, sobretudo no processo legislativo, em todas as dimensões desse processo desde os procedimentos preparatórios, nos trabalhos de comissões e no momento deliberativo final. Afastar-se desse processo é trair a Constituição e o Projeto de Sociedade. Por isso se diz (conforme o faz a professora Marilena Chauí) que a democracia não é somente uma forma de governo, é uma forma de sociedade e se realiza na mediações de sujeitos que institucionalizam o fazer político e o jurídico. Democracia e direitos, que não são quantidades de artefatos dispostos em prateleiras normativas, mas relações problemáticas, tensas, conflitivas, legitimadas pelos princípios que animam a política, a constituição e os direitos, enquanto promovam a justiça e a emancipação.
O segundo balizamento contextual é o de que é necessário reconhecer os sujeitos que movem o processo democrático e de realização dos direitos. Num sistema de intensa atuação democrática esses sujeitos são principalmente coletivos e se inscrevem nos movimentos sociais. A minha consideração nesse contexto é a que deriva de meu exercício acadêmico em articulação com o social, por meio da atuação indissociável, como define a Constituição (art. 207) de ensino, pesquisa e extensão.
Num momento de agravamento da violência contra os povos indígenas e seus territórios e sobre os conflitos no campo, mas também quando uma virada democrática acontece no Brasil, com a volta de uma governança de base popular, participativa e radicalmente democrática, mais se faz necessário que as forças vivas democráticas se abram à elaboração de políticas sociais e públicas que podem se valer desses estudos para orientar essas políticas.
Já caminhamos para cinco séculos, mas a obra seminal de Alberto Passos Guimarães “Quatro Séculos de Latifúndio”, publicada em 1963, seguida de “A Crise Agrária” (1978) e “As Classes Perigosas: Banditismo Rural e Urbano” (1982), é ainda fundamental para compreender a tensa realidade do campo brasileiro, a configuração do latifúndio e da concentração de terras no Brasil e a luta e protagonismo do movimento camponês, atualmente com a atuação marcante do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, para se organizar e propor um projeto político e social para o País.
A CPI em curso, não pode se constituir uma das faces desse enfrentamento. Mesmo que se apresente como uma face mais sofisticada porque amenize sua contundência sob a aparência de fiscalização legislativa. Com Renata Carolina Corrêa Vieira, mostramos em artigo no Le Monde Diplomatique, publicado em 18/07/2019 – A função social da propriedade: pedra angular da Constituição Cidadã (https://diplomatique.org.br/a-funcao-social-da-propriedade-pedra-angular-da-constituicao-cidada/), a malícia de propostas legislativas que, apesar de sua inviabilidade, tentam reduzir o alcance da realização do princípio da função social da propriedade, com movimentos deliberativos no Parlamento para favorecer a privatização do que já se colocava fora do comércio. Volta-se, com renovados artifícios, em medidas legislativas, a invocar a tese da propriedade privada como um direito absoluto, num contexto de realidade distópica, em que mentalidades estritamente negociais afirmam a “sacralidade” para retirar do seio da sociedade direitos conquistados historicamente por lutas sociais.
Já basta a face bruta e cruenta na linha do coronelismo que baliza o processo oligárquico, que caracteriza a nossa formação econômica, social e política: a criminalização da reivindicação social (com a pretensão de tipificar as formas de luta no elenco do crime de terrorismo) e a volta legal ao armamentismo que equipa as milícias urbanas e rurais a serviço a propriedade e do latifúndio.
Em artigo que publiquei em coluna que mantive por anos na Revista Sindjus (Sindicato dos Servidores do Judiciário e do Ministério Público em Brasília (Edição do ano XVI, nº 50, ano 2008, pág. 5 – Enxadas ou Flores? A tentação de Criminalizar o MST, aludi a essa ação emoliente que o próprio sistema de justiça promove.
Com esse título referia-me ao dilema posto em artigo de Procurador-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, publicado em Zero Hora, edição impressa do dia dois de julho daquele ano, no qual procura contemporizar a reação veemente a ações civis desencadeadas pelo Ministério Público contra determinados acampamentos do MST (Serraria e Jandir, entre outros), no RS, e que foram vistas como uma estratégia concertada para postular a extinção ou a ilegalidade de um importante movimento social.
O que mais evidente ficou à observação é a dificuldade de reconhecimento do alcance emancipatório das reivindicações sociais. Em vários estados, o Ministério Público Federal, numa aparente violação do princípio do promotor natural, insistiu na proposição de ações civis públicas, pelo fato de o INCRA e universidades federais terem firmado termo de cooperação técnica visando a implementar cursos de graduação em Direito destinados a beneficiários da reforma agrária, nos parâmetros do sistema Pronera (Programa Nacional de Educação do Campo).
Nos termos insólitos da argumentação do MP:
Sabido é que o habitat do profissional do Direito, em qualquer de suas vertentes, é o meio urbano, pois é nesta localidade em que se encontram os demais operadores da ciência jurídica. Ainda que venha ele a patrocinar pretensão titularizada por cidadão que habite a mais distante área rural, endereçará a sua demanda a órgão do Poder Judiciário, não encontradiço em paragens rurícolas.
O fato é que, embora, sob consideração teórica, se reconheça como legítimas as formas de ação coletiva de natureza contestadora, solidária e propositiva dos movimentos sociais, a dialeticidade de suas múltiplas práticas sociais, não necessariamente é vista, no plano da política, como compromisso com a coletividade para a construção de esfera pública democrática, em cujo âmbito se definem projetos emancipatórios, sensíveis à diversidade cultural e à justiça social. Ao contrário, a expressão conflitiva dessa dialeticidade tem levado, muito em geral, a uma reação despolitizada, da qual não são imunes o Ministério Público, o Judiciário e até o Legislativo, abrindo-se à tentação de responder de forma pouco solidária e até criminalizadora a essas práticas.
Nas suas movimentações se insere nas principais agendas que procuram levar a sério o desenvolvimento e o bem-estar dos países e dos povos.
Num recente Dia da Trabalhadora e do Trabalhador Rural (em julho de 2020) o cardeal Michael Czerny, secretário do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano, enviou uma carta em nome do Papa Francisco que saúda as famílias Sem Terra que seguem realizando ações de solidariedade no Brasil. O motivo era o reconhecimento do Papa ao MST por ter distribuído mais de 2,5 mil toneladas de alimentos no combate ao covid-19 e à fome no Brasil, ação vista com “alegria pelo gesto bonito de distribuição de alimentos que as famílias da Reforma Agrária no Brasil estão realizando nestes tempos da Covid-19”.
Volto ao Papa. Sua ação pastoral se apoia numa perspectiva teológica de universalização e não de capitalização dos bens da vida – a Teologia dos três Ts: Terra, Teto e Trabalho, e na confiança de que sem interlocução com os movimentos sociais não há democracia, nem justiça. Diz o Papa (Discurso do Santo Padre Francisco aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares, publicado no sítio da Santa Sé, 28-10-2014):
Os movimentos populares expressam a necessidade urgente de revitalizar nossas democracias, tantas vezes sequestradas por inúmeros fatores. É impossível imaginar um futuro para a sociedade sem a participação protagônica das grandes maiorias, e esse protagonismo excede os procedimentos lógicos da democracia formal. A perspectiva de um mundo da paz e da justiça duradouras nos exige superar o assistencialismo paternalista, nos exige criar novas formas de participação que inclua os movimentos populares e anime as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com essa torrente de energia moral que surge da incorporação dos excluídos na construção do destino comum. E isso com ânimo construtivo, sem ressentimento, com amor.
Eu os acompanho de coração nesse caminho. Digamos juntos com o coração: nenhuma família sem moradia, nenhum agricultor sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá”.
Com certeza o MST é conflito, mas também é projeto. E projeto autêntico. Por tudo que temos ouvido e sobre tudo que temos refletido, num acumulado teórico-político, até com a contribuição do Congresso, basta ver que esta é a quinta Comissão Parlamentar instaurada pera ir à raiz desse tema, são muitas as injunções desse projeto que não se reduz a uma ação mobilizadora para a reforma agrária, mas que abre uma agenda complexa de um completo projeto de sociedade.
Com nuances singulares. Amanhã promovo, como um dos organizadores/autores o lançamento de um livro O Direito Achado na Rua. Sujeitos Coletivos: só a luta garante os direitos do povo!, já mencionado. O livro todo trata desse tema instigante, que é a instalação de uma subjetividade ativa inscrita nos movimentos sociais tão bem estudada pelo sociólogo Alain Tourraine, que acaba de falecer e a quem rendo homenagem. No livro, ponho em relevo o ensaio O Dia em que o Sujeito Coletivo de Direito Ocupou a Bolsa de Valores: o Encontro Inusitado entre a CVM e o MST. O autor, jovem acadêmico do programa de pós-graduação em Direito da UnB, Diego Vedovatto, que nasceu num assentamento no Rio Grande do Sul, com aportes epistemológicos rigorosos, descreve e analisa o “encontro inusitado” entre a Comissão de Valores Mobiliários – CVM e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST, durante a emissão do primeiro título de crédito na modalidade de Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA, aberto ao público geral na bolsa de valores brasileira, por cooperativas constituídas por agricultores sem-terra e sediadas em assentamentos de reforma agrária.
A Academia leva a sério esse tema. Também o Congresso que se constitui pela força instituinte dos movimentos sociais que lhe deram feição e alcance constituinte, pode ser o promotor da valorização de um programa de atuação emancipadora que caracteriza o MST e que lhe angaria reconhecimento quase universal. Claro que o MST é conflito, mas insisto, também é projeto. Conforme disse o Promotor de Justiça Marcelo Goulart em entrevista recente, nesse projeto não é só a reforma agrária que está em causa, por ser é uma das principais formas de emancipação do povo trabalhador, mas também a democratização do acesso à terra e produção econômica e ecologicamente sustentável no campo, e o que é de mais básico para todos: soberania e segurança alimentar
(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)
Um dos principais intérpretes do Brasil, o sociólogo viu a emancipação social dos negros, fruto de sua própria luta e coragem, como “pedra de toque da revolução democrática brasileira”. E anteviu: “a solução gradual não levará a nada”.
Ocupações do MST, sim! Pelas vítimas do trabalho escravo no RS e por todos nós!
Argumentos são indispensáveis para legitimar a justiça das lutas, mas nada é mais importante que a mobilização de massas
Valerio Arcary
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Ocupação de terras da Suzano e flagrante de trabalho escravo em vinícolas são indivisíveis, mas não ocorreu aos grandes grupos de mídia fazer a conexão - MST-BA
"A mentira corre mais que a verdade"
"A verdade é como o azeite, vem sempre à tona da água"
Ditados populares portugueses
1 - A Bahia ganhou duas manchetes depois do carnaval. A mídia comercial transformou o episódio da ocupação de uma parcela de uma fazenda da Suzano na Bahia, organizada pelo MST local, em pretexto para um escândalo. Denunciou a mobilização de protesto do MST como "invasão criminosa". Quis a ironia da vida que, na mesma semana, viesse a público a informação que grandes vinícolas da Serra Gaúcha como a Aurora, Salton e a Cooperativa Garibaldi, contrataram, através de uma obscura Fênix Prestação de Serviços, trabalhadores, que vieram, não por acaso, da Bahia, e estavam em condições análogas à escravidão, num alojamento onde viviam sob ameaças e vigilância armada, e de onde só podiam sair para trabalhar.
O significado das duas notícias é indivisível, mas não ocorreu aos grandes grupos de mídia fazer qualquer conexão. As vítimas sem terra da concentração de latifúndios no Brasil são obrigadas a migrar de seus estados no Norte e Nordeste para o trabalho sazonal de colheitas no Sul e no Sudeste, forçados a aceitar a superexploração. Ninguém pode acreditar que esta realidade poderá ser superada, algum dia, sem muita resistência e luta. Nenhuma mudança virá a "frio". Terá que ser "a quente" ou nunca. A esquerda não pode vacilar. Ocupações do MST, sim!
2 - A Suzano não é, somente, uma "grande" empresa, é uma corporação multinacional poderosa: no seu site informa que tem 35 mil funcionários, controla 11 plantas industriais, possui 1,3 milhão de hectares, capacidade instalada para a produção de 10,9 milhões de toneladas de celulose por ano. Além de mais de quinze estados no Brasil, atua ainda na Argentina, EUA, Canadá, China, Suíça, entre outros países. Apesar desta dimensão gigante, ignorou durante meses, solenemente, os pedidos do MST para que fosse respeitado um acordo de 2011 para o assentamento de seiscentas famílias. Nada, nadinha, niente di niente. Pura soberba.
Já as vinícolas gaúchas transferiram para a terceirizada Fênix a responsabilidade e pediram, "inocentemente", desculpas e ponto final. Uma vergonha. Felizmente, a corajosa Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) está lançando um manifesto em que exige a expropriação das terras das empresas flagradas na exploração de trabalho escravo.
3 - Dias e dias de "barulho" indignado nas televisões, rádios e memes nas redes sociais "satanizando" o MST. Quatro argumentos foram esgrimidos em editorial pela Folha de São Paulo, um grupo de comunicação que se alinhou com frações da burguesia liberal contra a candidatura à reeleição de Bolsonaro, não disfarçou muito o apoio à terceira via, no primeiro turno, com Simone Tebet, e agora faz uma disputa pública de exigência sobre o governo Lula.
Primeiro: a fazenda de eucaliptos seria "produtiva". Segundo: a ocupação seria uma invasão de propriedade privada, algo inviolável. Terceiro: o MST estava "apontando" contra a Suzano, mas na verdade queria pressionar pela indicação de cargos no Incra. Quarto, mas não menos revelador, a reforma agrária seria uma política social obsoleta, arcaica e, pior ainda, muito "cara", portanto, ineficaz, em função dos sucessos de produtividade do agronegócio.
4 - Os quatro argumentos são insustentáveis. Primeiro: considerar "produtiva" a plantação de eucaliptos é um deboche, diante das sequelas irreparáveis geradas pelos "desertos verdes", porque está reconhecido pelas mais insuspeitas fontes, que causam uma redução brusca na biodiversidade e esgotamento das reservas de água.
Segundo: nem legalmente a propriedade privada, menos ainda o latifúndio, é considerada inviolável no Brasil, porque ela deve respeitar uma função social. Terceiro: é uma teoria conspiratória, digna de bolsonaristas desmiolados, associar a ocupação na Bahia com indicações no Incra ou qualquer outro cargo no governo.
Quarto: a denúncia obtusa da reforma agrária, em função de "embriaguez ideológica", obedece somente à defesa dos interesses dos latifundiários do agronegócio, a fração mais selvagem e anacrônica do capitalismo brasileiro.
5 - As ocupações do MST merecem a mais irrestrita solidariedade. O MST já demonstrou, incontáveis vezes, firmeza na luta e flexibilidade tática.
Acumulou habilidade de saber a hora de avançar, a hora de manter posições e a hora de recuar. Ações têm um impacto na consciência, não somente a luta de ideias. O argumentos são indispensáveis para legitimar a justiça das lutas populares, mas nada é mais importante que a mobilização de massas.
Cerca de mil e quinhentos trabalhadores ocuparam a fazenda da Suzano. Eles não estavam lutando somente por eles. Estavam na luta pelas vítimas de trabalho escravo no Rio Grande do Sul. Estavam em luta por todos nós. Estamos em uma relação de forças em transição, depois de muitos anos, desde 2016, de uma situação reacionária.
A fração burguesa liberal está em disputa pública sobre os rumos do governo Lula. Movimentos sociais devem ter, também, iniciativa. No próximo dia 8 de março sairemos às ruas no dia internacional da luta das mulheres. E, no dia 21 de março, responderemos ao chamado unitário das Frentes Brasil Popular e Sem Medo.
* Valerio Arcary é professor titular no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), militante da Resistência/PSol, e autor de O Martelo da história, entre outros livros.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato