Mostrando postagens com marcador Artigo de opinião. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Artigo de opinião. Mostrar todas as postagens

26 de ago. de 2025

Artigo de Opinião: A paz na Ucrânia será a guerra na América Latina? --- por Ana Penido

A paz na Ucrânia será a guerra na América Latina? 3 atos - por Ana Penido



MUNDO

  1. O mundo caminha para a multipolaridade, mas o Brasil e a África do Sul, embora sejam fortes regionalmente, são mais fracos que os demais candidatos a polos regionais. O caso do Brasil é um pouco pior, pois ele é considerado quintal do principal polo regional, os EUA. Portanto, na leitura do Brasil, dos BRICS, e mesmo da Europa, somos um polo regional. Na leitura dos EUA, não.

  2. O fim da guerra na UK (Ucrania) é positivo para o mundo, não há dúvidas. Uma guerra com potencial de extrapolação regional que se tornou o motor para o aumento de gastos militares no planeta, é negativa, pois acima de tudo captura os orçamentos nacionais que poderiam ser gastos na melhoria da vida das pessoas. 

  3. A paz só deixará como saldo positivo para a UK o fim da morte dos seus cidadãos, no mais, foi derrotada. A guerra também deixa muitos problemas por resolver para a Europa, e saldos positivos para os EUA/OTAN e pra Rússia. Para a Rússia, colocou um freio à expansão estratégica da OTAN – “por aqui, não passam”. Foi uma derrota bélica, não necessariamente política. A OTAN ganhou novas adesões e renovou o “inimigo” necessário para a sua existência. Especificamente para os EUA, logrou a promessa europeia de gastar 5% do PIB em armamentos (que eles irão vender). O fim da guerra não alterará a percepção de ameaça, e os gastos continuarão. A UK perdeu território, economia, população e autonomia. No caso da Europa, explicitou-se o que já se sabia: são incapazes de lutar uma guerra sem os EUA, e esse em particular, acelerou sua fragmentação interna. Por fim, a guerra reanimou o verdadeiro significado da OTAN: “manter os EUA dentro, a Rússia fora, e a Alemanha (Europa) abaixo”.

  4. A UK é um exemplo de, em um cenário de disputas abertas entre grandes potências, dificilmente os conflitos ocorrem nos terrenos dos gigantes, mas em territórios de terceiros, as proxy wars. A Venezuela é o “território de terceiros” favorito para uma proxy war na AL. O BR tende menos a ser um “território de terceiros”. Tem peso para articular força própria e alianças com outros terceiros para ser considerado um polo em termos econômicos, políticos e culturais. Em termos de defesa, a nossa, em um conflito aberto entre potências, está hoje organizada como força auxiliar dos EUA. 

  5. EUA estrutura a hegemonia atual em 4 pilares: força/militar, dólar/economia, político e cultural. Se vê muito ameaçado em um deles – dólar (o PIX BRICS é muito interessante, mas um potencial, como é o NBD), então vai reforçar nos outros, não necessariamente obtendo sucesso. Não vai buscar o isolacionismo, embora aparente. Vai tentar arrumar a casa internamente para estar em melhores condições para a disputa, e internamente, pra eles, inclui toda a América Latina, além dos próprios EUA. Não parecem preocupados com o pé político, que discursivamente sempre foi autoritários x democráticos. Pelo contrário, testa limites internos e externos, tratando mal aliados históricos na Europa, Índia, e até o Canadá. Sinais do neofascismo.

  6.  Trump sai na frente dos democratas por assumir o inevitável declínio da potência. Vem fazendo alterações no estado profundo, inclusive na área militar. Não significa que vai chegar às últimas consequência, mas usando uma metáfora militar, vai fazendo aproximações sucessivas, e com isso, alarga as margens para a extensão do seu poder sobre o que pode ser considerado aceitável, e o que não é. Exemplos: uso de tropas contra o próprio povo (em Washington e em LA, não existiam crises de “segurança”, mas interveio mesmo assim); mudou a distribuição orçamentária entre as diferentes forças para montar sua guarda pretoriana (o ICE teria condições para isso?); constrói protetorados dedicados à pauta da violência, em diálogo com a cultura dos EUA punitivista (prisão em El Salvador); trocou oficiais do Estado Maior Conjunto por militares alinhados a ele. Há objeções, em especial da CIA e o FBI. Os EUA já vinham, desde antes do Trump, reavivando a doutrina Monroe e, diante da falta de recursos, recorrendo mais ao “grande porrete” na relação com o resto do mundo. A novidade é que Trump pode estar criando a própria doutrina, aplicando as práticas do ambiente externo ao doméstico. Há preocupação no deep state com a fragilização da segurança nacional estadunidense. O problema é que, se os EUA sofrem uma “falha de segurança”, como um ataque terrorista, Trump pode instrumentalizá-lo, pois uma população ameaçada autoriza medidas que, em outras situações, não aceita.


Variável chave 1: situação doméstica dos EUA. Crise econômica nos EUA, perseguição aos estrangeiros, protestos sociais. Se massificarão? O fim da guerra na UK ajuda Trump, pois ele entregou, mesmo atrasado, a paz que prometeu na campanha. Libera recursos para seguir arrumando a casa. 



AMÉRICA LATINA

  1. Na doutrina dos EUA pra AL, o narcotráfico já era o espantalho principal, e não o terrorismo, que é o espantalho a nível global. Já treinaram bastante na Colômbia para isso. Digo espantalho pois já está mais do que provado que a questão das drogas não é um problema militar, e talvez, sequer seja um problema policial. No Panamá (1989), na Colômbia (anos 2000), e em Honduras (anos 2010), as campanhas militarizadas antidrogas dos EUA não conseguiram desmantelar as cadeias de abastecimento nem reduzir os volumes de tráfico. Conseguiram mudar as rotas, militarizar os atores e desestabilizar os governos. 

  2. Mas esse é o argumento óbvio para manter a Venezuela sob pressão (esta, em específico, sequer está nas rotas principais de tráfico para os EUA). Internamente, é justificável nos EUA aumentar o cerco contra a Venezuela, tanto porque as sanções não tiveram o êxito esperado, tanto porque os EUA vivem uma crise de saúde pública em função da dependência. A classe trabalhadora, também nos EUA, está doente.

  3. A pressão sobre a Venezuela – de fato, é a maior movimentação militar dos EUA no Caribe desde a invasão do Panamá, em 1989, também sob justificativa das “drogas”, contra Noriega. Mas Maduro não é Noriega, e nem a Venezuela, um Panamá. Além disso, o deslocamento tem impactos na região toda, em países com peso como o México e a Colômbia. Militarizar o Atlântico resolve também o nó do Canal do Panamá, onde a influência chinesa é crescente, e amplia a relevância da ferrovia de integração sul-americana ainda em projeto.

  4. Por outro lado, os EUA acabaram de autorizar a Chevron a voltar a operar na Venezuela. Os navios podem, assim, funcionar como “policiais”, deixando passar, ou dificultando a passagem de embarcações, a depender da bandeira, causando atrasos e encarecendo transações a depender do país. Assim, embora tenham finalidade militar, e mantenham a Venezuela sob pressão bélica, podem ser usados sob doutrina policial, e obter resultados na área econômica.  

  5. Designar normativamente os cartéis como organizações terroristas estrangeiras abre a opção para que os EUA atuem extra territorialmente como “polícias de cargas”. Além das mudanças de natureza militar, pois um traficante se torna um combatente inimigo, gera impactos no comércio marítimo, que é por onde circulam as mercadorias de países exportadores como o Brasil, além das informações e fluxos financeiros, através de cabos submarinos. O cerco a Venezuela, assim, tem efeitos amplos em toda a região: comerciais, intimidação, mantém Estados em alerta, tem capacidade de ação militar real, e abre espaço para operações combinadas como o atentado na Colômbia, que favorece Uribe, Trump e a militarização. 

  6. Uma escalada de natureza militar não seria desprovida de custos para os EUA. Um desembarque dos EUA é pouquíssimo provável, mas a intensificação de mercenários, inclusive colombianos desmobilizados em função da paz na Colômbia, é possível. Substituir Maduro não parece mais ser o plano, mas mergulhar o país no caos, flertando com a balcanização, pode ser uma opção. Desde que mantida a exploração de petróleo (até por grupos criminais ou cartéis), não há problemas com manter o país em meio a instabilidade política. É uma mudança de conduta a nível global. Não controlar territórios necessariamente, ou regimes políticos, desde que garantido o acesso aos recursos. 

  7. A autonomia discursiva com subordinação operacional não é uma particularidade do Brasil. Na Colômbia, o status de parceiro da OTAN segue, e recentemente uma delegação da OTAN esteve no país para revisar os currículos de escolas de formação da Força Pública, em busca da “interoperabilidade” nas áreas de AI e logística. Por sua vez, Milei solicitou em 2024 a adesão da Argentina como sócio global da OTAN, status que só a Colômbia tem no continente. O Brasil segue como o principal mantenedor da estrutura militar da OEA, o “Ministério das Colônias. E, logo depois da carta do Trump, ocorreu na Argentina a reunião dos Ministros de Defesa Sul-Americanos, com a participação de todos os países, menos da Venezuela. Múcio delegou a representação brasileira ao chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante Renato Rodrigues de Aguiar Freire, seu ajudante de ordens e seu adjunto de comando.

  8. Os exercícios conjuntos, método para a construção de hegemonia doutrinária e para a realização de operações de inteligência encoberta, seguem a todo vapor. Argentina participa do Estrela Austral, junto com Chile, Colombia e etc no Atlântico Sul. Chile esteve no RIMPAC 2024, marítimo, liderado por EUA e Israel. Equador permitiu em fevereiro a entrada de forças estrangeiras dos EUA e mesmo de empresas privadas como a Blackwater para combater o narcotráfico (terceirização da segurança, problema de outro tópico). No Southern Seas, em 2024, os EUA visitaram portos na Colômbia, Brasil, Peru, Uruguai e Argentina. A lista seguiria, nas diferentes áreas, como a cibernética.

  9. Não basta apenas observar as forças armadas oficiais, mas é notável o crescimento do mercenarismo no mundo, com reflexos aqui. Mercenários colombianos atuaram na UK, Haiti, Iemen e Afeganistão. Esses são amplamente requisitados pois são treinados em atividades de contrainsurgência dentro da própria Colômbia, diferente dos mercenários treinados pela Rússia, que treinam em guerras interestatais. No Haiti, os EUA acabaram de assinar um contrato de 10 anos para o enfrentamento de gangues através de mercenários da Blackwater (agora Vectus), e a maioria será contratada em El Salvador. Essa mesma empresa firmou parceria com o Equador, e hoje flerta com o Peru, que terá eleições em 2026. Essa empresa financia a Conferência da Ação Política Conservadora, articuladora do MAGA e e dos bolsonaros. A paz na Colômbia ajuda a diminuir o fluxo latino americano de mercenários para o mundo, mas é algo substituível. E o Brasil não fica de fora. Mercenários brasileiros que atuaram na UK deram curso na AMAN, de pequenas unidades, através da empresa Planton Black Company. Basicamente, estados nacionais perderam a vergonha de fazer negócios com mercenários.


Variável chave 2: unidade latino-americana e caribenha. Embora tenhamos incorporado a ideia de Sul Global nas análises, o enfraquecimento da cooperação regional na América Latina é um dado. No máximo, há cooperação econômica entre setores agro minero exportadores. Não há cooperação político – estratégica, nem mesmo no horizonte, como já existiu na Unasul. A derrota na Bolívia é apenas o último triste ato para quem acompanha o regionalismo. O B de Brasil, sem o restante da América Latina, perde, MUITO, em estatura político-estratégica nas suas relações e capacidade de negociação com gigantes como China, Rússia e Índia. 



BRASIL

  1. Trump agrediu o Brasil. A burguesia se dividiu e a direita passou vergonha, inclusive Tarcísio. Lula se fortaleceu, deve socorrer empresas, mas a classe trabalhadora também foi beneficiada, porque recolocou na agenda temas como soberania, inclusive financeira e militar. Se a autonomia discursiva vai se tornar prática, são outros quinhentos, mas o presidente ganhou em margem de manobra para mudanças. 

  2. EUA cancelaram treinamento com a FAB, a Conferência Espacial das Américas. Um major da FAB foi aos EUA no Comando Espacial, e outros exercícios já haviam ocorrido em conjunto, como o Sentinela Global, e o Panamax. Mas também é bom lembrar que a Embraer, joia da coroa militar que interessa aos EUA, ficou de fora do Tarifaço. Não se trata mais de uma aquisição da empresa pela Boing, mas da manutenção de cadeias de suprimento e do recrutamento dos engenheiros brasileiros.

  3. Na imprensa, as informações são desencontradas sobre de quem partiu a iniciativa para cancelar os exercícios que ainda estariam previstos com a Marinha, operação Formosa (no planalto central, a mesma em que blindados desfilaram em Brasília soltando fumaça durante o governo Bolsonaro, com um efetivo grande – 2000 homens); e o Exército, operação Core (ocorre desde 2019, cada ano em um bioma. Esse ano estava prevista para a Caatinga, mas chamou atenção no ano passado por ocorrer na Amazônia), em setembro e outubro desse ano. A justificativa oficial do governo é a falta de recursos, pois a prioridade seria a COP 30 e a interoperabilidade entre as FA brasileiras (finalmente uma definição de prioridade acertada!). Entretanto, a primeira parte da Formosa (e mais cara) foi mantida, apenas com militares brasileiros. 

  4. O conflito geopolítico global se expressa claramente na Formosa. Segundo informações do Estadão, no ano passado, pela primeira vez, a China foi convidada para participar: mandou 33 fuzileiros, mas esse ano não mandaria nenhum. Os EUA foram convidados, mas ainda não haviam respondido, ano passado enviaram 62 militares. Quem vinha em peso esse ano seriam os franceses, com 82 homens. Outras nações latinas também já haviam confirmado. O exercício é um bom exemplo na área militar de que não se trata apenas de uma aproximação com a China, tensionando com os EUA, mas sim do estabelecimento de relações diversificadas. 

  5. A presença de dois generais na China ainda é mais pra “chinês ver”, pois as relações espúrias com os EUA passam mais pelo escritório de compras em Washington do que pelos adidos de defesa do Brasil nos EUA. Atualmente, o Exército brasileiro mantém 120 militares nos EUA em atividades de cooperação. A Marinha, mantém 100.

  6. Por fim, o Brasil segue tendo um militar no Comando Sul dos EUA. Recentemente, o presidente Lula promoveu o primeiro general brasileiro que ocupou esse cargo, e foi criticado pela medida. Divirjo dessa impressão. O militar estava cumprindo uma tarefa que lhe foi delegada pelo comando, e não deve ser punido agora por, naquele momento, ter se destacado e sido escolhido para ocupar a função cobiçada. Uma medida correta é a extinção da função. Mantem-se os adidos de alto nível, mas não há por quê manter um oficial no Comando Sul, ainda mais com a postura intervencionista atualmente adotada.


Variável chave 3: condições domésticas no BR. Lula foi reforçado politicamente, e ainda é cedo para mensurar os impactos na economia. Faremos um belo 7 de setembro em defesa da soberania brasileira, e resgataremos a bandeira nacional das mãos de patriotas que batem continência para os EUA. Mas e a área militar? Precisamos, imperativamente, realizar o Fórum de Defesa Nacional.


28 de jul. de 2025

O império contra-ataca – e os militares brasileiros? - Artigo de Opinião por Liszt Vieira - A Terra é redonda





Imagem: Jimme Deknatel








O império contra-ataca – e os militares brasileiros? - Artigo de Opinião por LISZT VIEIRA - A Terra é redonda 



Se por acaso prevalecer a subserviência, e o Brasil entregar as “Terra Raras” com minerais estratégicos para empresas americanas, o presidente Donald Trump provavelmente vai dizer que nunca ouviu falar de Jair Bolsonaro

1.

Os militares brasileiros sempre tiveram relações estreitas com os militares dos EUA, país considerado tradicionalmente como amigo. Aceitaram a submissão aos EUA durante a guerra fria, e apoiaram as dezenas de guerras de intervenção dos EUA em outros países, tudo em nome do combate ao comunismo.

Esses acordos vão desde frequentes exercícios militares conjuntos, como o previsto para novembro próximo na Amazônia, até o acordo militar da Base de Alcântara, no Maranhão, para lançamentos espaciais, além de acordos na indústria de defesa, envolvendo tecnologia militar.

Tudo isso vem do século passado. Mas o Muro de Berlim caiu em 1989, a União Soviética desmoronou em 1991, a Guerra Fria terminou, e muitos militares brasileiros ficaram defendendo uma ideologia anticomunista ultrapassada, continuam vivendo no século XX, não compreendem, ou não querem compreender, as novas relações geopolíticas que surgiram no século XXI.

A ascensão econômica da China, candidata a potência, ameaça a hegemonia unilateral dos EUA e aponta para um mundo multipolar. A multipolaridade vai acarretar o enfraquecimento do poder político e econômicos dos EUA, ameaçando o peso do dólar como moeda universal. Essa transição não se faz sem conflitos e guerras.

Os EUA deixaram de ser uma democracia, tornaram-se hoje um regime de exceção, para dizer o mínimo, com fortes características autocráticas, já que o atual Presidente, com vocação de ditador, controla o Legislativo e parte do Judiciário. Com pose de imperador do mundo, como afirmou Lula, Donald Trump começou a tumultuar as relações comerciais até então reguladas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que se tornou letra morta, e passou a impor sobretaxas em produtos importados pelos EUA, atingindo diversos países como Canadá, México, Japão, Coreia do Sul, Austrália, China, União Europeia etc.

As relações comerciais tornaram-se caóticas, com decisões e recuos de Donald Trump. Sua tática é colocar o elefante na sala, e depois negociar tirando o elefante e deixando um cabrito, que antes não existia. Donald Trump rompeu com compromissos internacionais dos EUA em diversas áreas, como o Acordo de Paris sobre clima, e retirou seu país de organizações internacionais como, por exemplo, a Organização Mundial de Saúde (OMS).

2.

Em relação ao Brasil, a taxação de 50% dos produtos brasileiros exportados para os EUA veio acompanhada de pressão política para favorecer seu aliado Bolsonaro que, como ele, tentou dar um golpe de Estado. Os bolsonaristas ficaram sem discurso, já que a taxação de Donald Trump prejudica o Brasil como um todo, afetando indústria, comércio, agricultura, empregos etc. Isso deu a Lula a oportunidade de defender a soberania nacional ameaçada por Donald Trump que atacou até o Pix para defender os interesses de empresas americanas.

Senadores democratas acusaram o presidente dos EUA, Donald Trump, de abuso de poder ao impor sobretaxa de 50% a produtos brasileiros para beneficiar Jair Bolsonaro. Na carta enviada à Casa Branca, os parlamentares de oposição expressam preocupação com a ameaça de “uma guerra comercial” que prejudicaria famílias americanas. “Tudo porque o presidente quer corromper um processo judicial estrangeiro para ajudar seu amigo pessoal”, afirmam (O Globo, 25/7/2025).

E os militares brasileiros? O que vão fazer? Vão continuar defendendo seus interesses corporativos, apoiando os EUA e afrontando a soberania nacional e os interesses do Brasil? Ou terão coragem para defender o Brasil e cancelar ou pelo menos adiar os acordos militares em curso?

Segundo notícia da CNN, de 23/7/2025, as Forças Armadas reforçam aliança com EUA ante assédio de China e Rússia. E, ainda segundo a CNN, seria Donald Trump quem proporia sanções militares ao Brasil após operação contra Jair Bolsonaro. E, segundo alguns jornalistas, alguns parlamentares e militares brasileiros apoiam o ataque de Donald Trump contra o Brasil.

Diante disso, caberia ao governo Lula organizar um Encontro de representantes da Indústria, Comércio, Agricultura, Sindicatos para lançar um documento de defesa nacional e apelando para cancelar ou adiar acordos militares, até mesmo como instrumento de negociação.

3.

Se por acaso prevalecer a subserviência, e o Brasil entregar as “Terra Raras” com minerais estratégicos para empresas americanas, o presidente Donald Trump provavelmente vai dizer que nunca ouviu falar de Jair Bolsonaro, uma sobremesa dispensável. Mas seu prato principal é atacar o BRICS que poderia, a médio prazo, enfraquecer o dólar.

A extrema direita mundial encontrou em Donald Trump seu grande líder autocrático, com traços neofascistas, que destrói as instituições democráticas nos EUA, mostrando o caminho a ser seguido.

A antiga ordem internacional foi desmantelada e, num mundo sem regras, predomina as posições de força, sem aparências de democracia e liberdade, confinadas apenas aos discursos retóricos. Cabe relembrar aqui a famosa frase de Antonio Gramsci em seus Cadernos de Cárcere: “O velho mundo agoniza, o novo tarda a nascer. Nesse claro-escuro, surgem os monstros”.

Já surgiram, liderados pelo criminoso (segundo a Justiça norte-americana) presidente dos EUA, em marcha acelerada para transformar seu país em um regime autocrático neofascista. Diante desse quadro, os militares brasileiros não dispõem de muito tempo para decidir entre a civilização e a barbárie.




*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond) - https://amzn.to/47182lg 

 

 ----------------------------------  



Créditos A Terra é redonda.


 




* Receba as principais notícias sobre o Agro através do nosso grupo no Whatsapp: https://chat.whatsapp.com/K4qXU8O6l2eAf9HmXvnXUI

 


* Siga o Instagram da Rede LFS de Comunicação — @redelfsdecomunicacao — http://instagram.com/redelfsdecomunicacao 

  

 ------------------------------------

25 de jun. de 2025

Artigo de Opinião - Tempos de guerra e tempos de paz - por Mauro Nadvorny

Artigo de Opinião 



Foram duas semanas de guerra. Entradas e saídas do quarto seguro dia e noite. Todos se sentindo como zumbis, devendo horas de sono. E não é apenas poder dormir, é poder ter um descanso. Finalmente acabou.

A volta ao dia a dia não é tão simples. Nem todo mundo acredita  que o Irã vai respeitar o cessar-fogo. Nem todo mundo consegue sair de casa depois do sufoco que passaram. Nem todo mundo tem casa para voltar. Existem milhares de desabrigados espalhados pelas cidades atingidas vivendo em hotéis disponibilizados pelas prefeituras. Alguns sem lenço e sem documento, somente com a roupa do corpo. Tudo foi perdido na explosão do míssil balístico, mas as vidas foram preservadas.
Alguns dos prédios atingidos vão poder ser reformados, outros estão condenados e terão de ser demolidos. Até que sejam reconstruídos, a vida será em um quarto de hotel ou em casas alugadas.
Com esta guerra concluída, nos voltamos para a guerra remanescente em Gaza que se aproxima de dois anos. Se nos minutos finais antes do cessar-fogo, um míssil matou 4 pessoas, ontem à noite, uma bomba plantada pelo Hamas matou 7 soldados.
É preciso terminar com a operação em Gaza que não se justifica mais. Claro que mediante um acordo que traga de volta nossos reféns e não permita ao Hamas voltar a governar o território. Este é o único fim possível e que deve ser implementado o quanto antes. Precisamos voltar a viver em paz.
Nós brasileiros não temos este tipo de violência (guerras)no Brasil, temos outra que na minha opinião, é bem pior. Enquanto aqui com 530 mísseis balísticos disparados morreram cerca de 30 pessoas, no Brasil morrem por dia 106 (dados de 2024) pessoas vítimas da violência. Durante os 12 dias da guerra aqui em Israel  morreram no Brasil cerca de 1270 pessoas.
Foi um período estressante, mas as coisas funcionaram. Sempre fomos avisados de que mísseis estavam a caminho com antecedência. Permanecemos no quarto seguro até chegar o aviso de liberação, tudo pelo celular. Nos locais atingidos a ajuda chegou em menos de 5 minutos. Vidas puderam serem salvas por conta deste pronto atendimento coordenado de ambulâncias, bombeiros, resgatistas e polícia.
Durante todos estes dias, locais de venda de comida e farmácias permaneceram abertos. A maioria das famílias permaneceram próximos de casa e saindo nos intervalos entre uma e outra onda de mísseis.
Nada disso foi agradável, e eu procurei escrever algumas mensagens na minha página do Facebook para dar uma noção aos amigos de como as coisas estavam acontecendo.
Moro entre Tel Aviv e Haifa, quase que na metade do caminho e aqui na minha cidade não fomos atingidos. Próximo de nós sim.
É preciso ressaltar que o Irã jogou seus mísseis nas nossas cidades para matar civis, não contra objetivos militares, ou alvos que podem ser assim considerados.
Neste 12 dias, nossa Força Aérea trabalhou dia e noite a uma distância entre 1500 e 2000 km de casa, 24 horas por dia. Nenhum avião foi abatido, todos os pilotos voltaram para casa. Esta é mais uma façanha israelense.
Tiramos de nossos ombros uma ameaça vital. O Irã prometia acabar conosco há muitos anos. Espalharam seus tentáculos por todo Oriente Médio com proxis que lhes são leais. O que faltou, mas espero que a semente tenha sido plantada, foi derrubar o regime teocrático dos Aiatolás. Tomara o povo iraniano se levante e derrube esta ditadura.



11 de jan. de 2025

LFS Segurança - A cultura do fuzil nas organizações criminosas do Brasil - artigo de opinião





LFS Segurança

A cultura do fuzil nas organizações criminosas do Brasil - artigo de opinião.

Leia artigo publicado originalmente no Blog do Capitão Fernando, contendo todas as fontes.



*Receba a LFS Segurança no seu whatsapp: https://chat.whatsapp.com/Fz6Hp7PYQ5z73Ln63btAss 


*Siga nossas redes sociais: https://linktr.ee/blogdocapitaofernando


 ------------------------



A cultura do fuzil nas organizações criminosas brasileiras reflete uma complexa teia de fatores sociais, econômicos e culturais que perpetuam a violência e o poder paralelo em diversas comunidades. 

A exibição de armamentos pesados, como fuzis, tornou-se símbolo de status e domínio entre facções criminosas, especialmente em estados como o Rio de Janeiro.

Eventos culturais, como bailes funk, frequentemente servem de palco para a ostentação dessas armas, integrando a violência ao cotidiano e à identidade de certas comunidades. Essa normalização da presença de indivíduos armados em espaços públicos contribui para a romantização do crime e a difusão de uma "narcocultura" que atrai jovens e reforça a influência das facções.

A aquisição e circulação desses armamentos pesados são facilitadas por fronteiras porosas e fiscalização insuficiente, permitindo que fuzis e outras armas de guerra cheguem às mãos de criminosos. O alto custo dessas armas no mercado ilegal não impede sua proliferação, evidenciando a lucratividade das atividades ilícitas e a prioridade dada ao poder de fogo pelas organizações criminosas.

Além disso, a corrupção e o desvio de armas de instituições oficiais e de clubes de tiro agravam o problema, fornecendo arsenais para facções e milícias. Casos de atiradores desportivos envolvidos no fornecimento de armas para o crime organizado ilustram a fragilidade dos mecanismos de controle e a necessidade de regulamentações mais rigorosas.

A presença ostensiva de fuzis nas mãos de criminosos não apenas desafia as forças de segurança, mas também impõe um regime de medo e submissão às comunidades afetadas. A normalização dessa violência e a aceitação passiva ou até admirativa por parte de alguns moradores refletem um fenômeno que o filósofo francês Étienne de La Boétie denominou de "servidão voluntária", onde a opressão é mantida pelo consentimento dos próprios oprimidos.

Enfrentar a cultura do fuzil nas organizações criminosas exige uma abordagem multifacetada, que inclua o fortalecimento das instituições de segurança, políticas públicas eficazes de controle de armas, combate à corrupção e, fundamentalmente, investimentos em educação e oportunidades para os jovens. Somente assim será possível romper o ciclo de violência e oferecer alternativas reais àqueles que, por falta de opções, veem no crime uma forma de ascensão social e pertencimento.



2 de dez. de 2024

ENTREVISTA - 'Todas as tentativas de tomada do poder na história do Brasil envolveram militares', diz Ana Penido - Especialista em Defesa e Segurança - créditos Brasil de Fato

 ENTREVISTA

'Todas as tentativas de tomada do poder na história do Brasil envolveram militares', diz Ana Penido

Especialista em Defesa e Segurança analisa tentativa de golpe desmascarada pela Polícia Federal

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
 
Golpe deu errado porque não havia consenso dentro do Alto Comando das Forças Armadas e porque Bolsonaro não assumiu a responsabilidade, acredita Penido - Fernando Souza / AFP

A investigação da Polícia Federal (PF) que desmascarou o plano de golpe de Estado no país reacendeu o debate na sociedade sobre a participação das Forças Armadas brasileiras em eventos golpistas. 

Entre os 37 indiciados pela PF por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, 25 são militares. A lista inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Valdemar Costa Neto.

Para entender sobre o cenário que se abre após a investigação, o histórico da participação militar em tentativas de golpes no Brasil, as disputas internas do Exército e os desafios para a transformação da política de defesa do país, conversamos com Ana Penido, cientista social, com mestrado em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutorado em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas.

"O golpe é só o momento mais espetacular da participação política das Forças Armadas. Tem que olhar e mexer nas continuidades. Entram governos de esquerda e de direita e os militares continuam lá", chama a atenção. 

:: Exército abre investigação interna sobre uso de viaturas no plano de golpe em 2022 ::

Leia a entrevista completa: 

Brasil de Fato MG: Os militares têm um histórico golpista no Brasil? 

Ana Penido: O golpe é só o momento mais espetacular da participação política das Forças Armadas. Quando o golpe acontece, ele pode dar certo ou pode dar errado, tanto faz. Mas ele só acontece porque a participação dos militares na política foi consentida pelo poder civil. 

Vejamos um exemplo básico, a chantagem: "eu só vou topar essa missão de operação de Garantia da Lei da Ordem se vocês aprovarem o excludente de licitude. Eu só vou ser julgado por outros militares". Isso é o quê? Isso é chantagem, isso é barganha. É questionar o poder político para que as forças militares tenham que ser empregadas. 

Então, o golpe é só um momento extraordinário. Não adianta a gente enfrentar um golpe olhando para um momento extraordinário. Tem que olhar para essas continuidades. E ninguém mexeu nessas continuidades ainda. Entrou um governo de esquerda, entrou um governo de direita, saiu um governo de esquerda, saiu um governado de direita, e as Forças Armadas estavam lá, como elas sempre estiveram. 

Uma segunda dimensão é que essa ideia de anistia é equivocada. Nem sempre os golpes "deram em pizza". Eles só acabam em pizza quando eles são feitos por motivações à direita no espectro político e coordenados pelas altas patentes. Quando as insurreições militares foram à esquerda, nós vimos punições duríssimas. Não aconteceu anistia. Até hoje, a Justiça Militar é extremamente punitiva quando se olha para as baixas patentes. Só "dá em pizza" quando você é de direita e quando você é patente alta. 

Agora, com relação ao histórico, os militares são o aparato coercitivo do Estado e  não é possível dar um golpe sem militares. Todas as tentativas de tomada do poder na história do Brasil envolviam militares. Mas, por outro lado, militares sozinhos não dão golpes. 

Militares necessariamente constroem alianças ou com a elite civil ou com a elite de outros estados nacionais, no caso do Brasil, principalmente com os Estados Unidos. Nunca é uma coisa exclusiva do segmento militar.  Uma lacuna que a gente tem que analisar é quem financiou. Militar não é bobo, ninguém tenta um golpe militar sem combinar com quem paga. De onde vem esse financiamento? 

Qual seria o cenário se o golpe tivesse se efetivado? 

Golpe é igual guerra. Você sabe como começa, mas você não sabe como termina. É muito difícil planejar um cenário. Tem um aspecto que eu chamaria a atenção: nos documentos, é super dissonante a dimensão de como seria a reação ao golpe. 

Você vai ver declarações de militares projetando uma guerra civil. E você vai ter declarações de militares falando que não ia acontecer rigorosamente nada, só um funeral bonito. 

Então, é impossível projetar o que teria acontecido "se tivesse dado certo". Eles projetaram a instalação de um gabinete de crise com diferentes ramos. Eles próprios projetaram o ramo que ia conversar com o Judiciário, o ramo que ia conversar com com o Legislativo, o ramo que é responsável pelas relações com a imprensa e o que é responsável pela dinâmica internacional. 

Mas quem ia pagar essa conta não está no documento. Quem de fato estava conversando com os financiadores não está no documento, mas eles projetaram a instalação do gabinete de crise bem completo. 

Pelo o que eu estou observando, a tendência é de que seria um funeral bonito. Porque o comportamento da esquerda está sendo "por a cerveja para gelar". A punição do Bolsonaro não vai ser jurídica, vai ser política. 

Ele é um quadro político que teve 58 milhões de votos. A gente acabou de sair de uma eleição municipal em que a esquerda foi derrotada. O Trump acabou de ser eleito nos Estados Unidos. Estou brincando com o povo que está colocando cerveja para gelar porque ela vai empedrar. Não é assim que funciona a luta política, muito menos contra o fascismo.

:: Militares omissos devem ser responsabilizados por trama golpista, mas e as Forças Armadas? Especialistas defendem reformulação :: 

E por que você acredita que o golpe não foi adiante?

A minha hipótese é de que deu errado porque não havia consenso dentro do Alto Comando das Forças Armadas e também porque o Bolsonaro não assumiu a responsabilidade. Tem uma dimensão institucional, mas sabe aquela coisa do "papel do indivíduo na história"? Normalmente, é uma pessoa que vai puxar as coisas e a gente não viu isso no Brasil em momento nenhum. 

Pelo contrário, os nossos militares fazem de tudo para se desvincular das coisas que aconteceram. 

Por quais motivos não existe essa coesão no Exército?

São muitas variáveis, que vão desde disputas internas até a influência dos Estados Unidos. O custo da divergência para um militar é muito alto. Era um cenário em que cinco pessoas, pelo que eles próprios estão falando, foram contra o golpe. 

Mas tem uma outra questão relevante. Ser contra um golpe de Estado não significa ser a favor da democracia e muito menos ser a favor de um governo do presidente Lula. Ser contra um golpe de Estado, muitas vezes, pode ser parte de um cálculo de como preservar a sua instituição. 

Em 1964, eles deram golpe junto com um monte de gente. Um monte de gente cresceu durante a ditadura militar. Mas passou 1988 e começou a ficar feio. Antes do Bolsonaro vir, era feio você declarar que era a favor da ditadura. Mesmo quem era a favor, ficava quieto, caladinho, na moita. 

A imprensa soltou editoriais pedindo desculpa. Tem uma dimensão de proteção institucional de alguns comandantes que falaram: "olha, vai sobrar para o Exército, esse negócio aqui não vale a pena".

Quais são os caminhos para que as Forças Armadas do Brasil passem por uma reforma, no sentido de desfascistizá-las? 

O caminho jurídico é o que a gente está observando. Investigar, levantar provas e punir os militares que têm de fato envolvimento, seja na tentativa de golpe do 8 de janeiro, seja nesse plano de assassinato do Lula e do Alexandre Moraes. 

Na dimensão política, estamos diante de um cenário muito difícil, porque qualquer mudança nas Forças Armadas depende de força social. E não existe um grande movimento social que paute mudanças nas Forças Armadas.

Discutir Forças Armadas é discutir poder. Isso, de forma geral, está longe da agenda das organizações da esquerda e da direita. De forma geral, as pessoas discutem a curto prazo. As Forças Armadas são uma dimensão de longo prazo. Não vejo por parte do Lula uma predisposição para fazer mudanças. Ele tem feito a opção pela conciliação. Ainda que os militares não queiram conciliar com ele, o governo segue tentando conciliar e acho que a maior prova disso é a indicação do Múcio para ministro. 

O que nos cabe nesse cenário, que não é bom, são duas coisas. Uma é tirar o tema das discussões sobre Forças Armadas de uma esfera que é quase inatingível. É algo tratado como se fosse muito absurdo fazer mudança. 

A Alemanha fechou uma unidade militar suspeita de infiltração nazista e atribuiu às próprias forças militares alemãs a reforma do restante dessa unidade, que também tinha suspeita de infiltração. 

Nesse sentido, por exemplo, me chama a atenção que todas as denúncias envolvam o mesmo grupo, que são os kids pretos, dentro do Exército. Alguma coisa tem aí. Não quer dizer que, num universo de 1 milhão de militares, todo mundo seja golpista. Ser conservador é diferente de ser golpista. 

Aqui nós estamos falando sobre quem se dispõe a pegar em armas para impor sua vontade. Não é realista pensar que 1 milhão de pessoas tem esse posicionamento. 

:: 'Oferece a cabeça', 'senta o pau': Braga Netto orientou ataques a militares contrários à tentativa de golpe ::

Qual é a importância de refletir sobre essa reforma nos dias de hoje? 

Estamos num momento da geopolítica global em que a política de defesa é muito importante. A guerra na Ucrânia está lá, até hoje, se prorrogando. Estamos na véspera possivelmente de uma 3ª Guerra Mundial, com a possibilidade de uso de armamento nuclear.  

Há um genocídio em curso. Então, a política de defesa é fundamental. Ter Forças Armadas é central para um país que queira deixar de ser periferia no mundo. É possível e pertinente que o governo convoque uma conferência de defesa, para discutir reforma militar. A lógica do "pune um, pune outro" não tem grandes efeitos. 

O que precisamos, na verdade, é pensar qual é a política de defesa pertinente para o Brasil, dado esse cenário político global. Mobilizar Forças Armadas e sociedade civil, industriais, militantes de movimentos sociais, etc. para pensar qual é a melhor forma de defender o nosso país e construir pontes. 

A maior receita contra o golpismo militar é fazer com que militares e o restante da sociedade conversem o tempo todo. Uma das receitas para o golpismo é o que algumas pessoas chamam de "nação dentro da nação". Os militares não conversam com ninguém. 

A principal receita antigolpismo é fazer com que diferentes grupos, com diferentes pontos de vista, tenham que conversar. E qual é o tema em comum que esses diferentes grupos têm? A defesa do Brasil. 

Qual é a possibilidade da anistia dos golpistas do 8 de janeiro acontecer e de Bolsonaro deixar de ser inelegível?

O termo golpismo é muito genérico e dialoga com outro termo genérico que é democracia. Eu acho que os últimos episódios nos ajudam a trabalhar em termos de educação popular. Não estamos defendendo a democracia no abstrato. O que vimos, em termos de denúncia, são questões muito concretas.

Você deixa de falar "Bolsonaro ameaça a democracia" para dizer "Bolsonaro levantou que precisava de uma lista de armamentos e ele ia envenenar o presidente eleito". Isso significa ameaça à democracia. 

Acredito que esses últimos planos dão uma dimensão tático-operacional que é difícil de deixar de lado, porque dá uma materialidade muito grande. A Polícia Federal fez um trabalho de levantamento de provas. E deveria de fato ser assim, porque é preciso ter muita coisa para sustentar uma acusação de uma figura política que tem amplo respaldo popular, como é o caso do Bolsonaro. 

Além disso, estamos vendo no Brasil e no mundo o crescimento de uma extrema direita para a qual as regras do jogo não fazem muito sentido. Por isso que golpe também não faz muito sentido. Eles defendem a ruptura publicamente. Você passa a ter a possibilidade do emprego da violência como ferramenta de imposição da sua vontade política. É outro jogo mesmo. Não é esse jogo liberais versus democratas versus esquerda progressista. 

Você coloca a possibilidade de uso da violência na mesa. Veio à tona o plano do assassinato, mas tivemos torres de energia sendo explodidas, ameaça de bomba em aeroporto na véspera de Natal, o bolsonarista de Brasília explodindo vestido de coringa. Tem um conjunto de dimensões que estão fora da política e estão numa dimensão do emprego de força. 

O Congresso é reativo às pressões sociais. Pouco reativo, inclusive. E é um Congresso extremamente ruim. Então, tem dois cálculos sendo feitos. O cálculo de Bolsonaro, no sentido de avaliar se é possível substituí-lo por outra figura da direita que seja mais fácil, e o cálculo sobre o que ele vai topar negociar. O que ele vai pôr na mesa como contrapartida?

Eu acho que a direita, neste momento, está fazendo esses cálculos, levando em consideração qual é a melhor chance para eles em 2026. Tanto sobre nomes que estão colocados na mesa – o Tarcísio, o Caiado, os próprios Bolsonaro –, quanto da própria resistência ou não da figura do Bolsonaro. 

A anistia, em termos políticos, deveria ser um momento bom para conseguirmos empreender uma ofensiva. Não faz sentido discutir anistia para crimes que envolvem a ameaça de uso da violência na política. 

:: Áudios obtidos pela PF mostram militares dispostos a uma ‘guerra civil’ para manter Bolsonaro no poder ::

Está previsto de os militares entrarem no teto de gastos promovido por Fernando Haddad. Você acredita que isso influenciará de alguma forma nas movimentações das Forças Armadas?

Não afeta quase nada. Sobre o orçamento, o problema é que temos, no Brasil, o orçamento de defesa praticamente todo comprometido com o orçamento dos recursos humanos para defesa. Falando no português claro: quase todo o dinheiro que vai para defesa vai para o pagamento de militar, ou de família de militar, ou de militar que está na reserva.

Os cortes que o Haddad combinou com o Ministério da Defesa estão todos na dimensão de pessoal. Em alguma medida, eles vão tocar privilégios históricos que militares têm. Como eles controlaram a transição, eles controlaram inclusive que eles mantivessem certos privilégios. 

Acho que são medidas relevantes na lógica do teto de gastos, mas impactam muito pouco na política de defesa, ou mesmo na carreira. O que eu acho que precisaria impactar na política de defesa é essa discussão sobre defesa nacional. Porque aí você deixa de enxugar o gelo. 

Uma parte considerável do orçamento é para manter unidades militares na fronteira. Faz sentido isso do ponto de vista da defesa nacional? Não faria mais sentido investir em tecnologia e fazer, por exemplo, o controle por satélite? É um exemplo.

O governo Lula, na verdade, vai com problemas de orçamento para além desses, porque o Bolsonaro ofereceu vários ganhos para as altas patentes e as patentes mais baixas estão reivindicando isonomia. Então, o Lula está com essa batata quente no colo. É um cenário complexo.

Qual é a aceitação das Forças Armadas do Brasil na sociedade atualmente? 

Não temos pesquisas recentes de opinião sobre o assunto. Os últimos levantamentos foram publicados depois da tentativa de golpe. Saíram algumas coisas no início de 2023, que podemos levar em consideração. 

As Forças Armadas são, historicamente, uma das instituições com maior influência na sociedade civil. Elas disputam com a Igreja as primeiras colocações entre as instituições que têm confiança. Isso é estranho. Agora, a grande questão é perguntar por que as pessoas confiam nessas instituições. 

A confiabilidade das Forças Armadas está muito associada às múltiplas tarefas de agências civis que elas acabam fazendo. O cidadão comum gosta das Forças Armadas, porque eles constroem estradas, fazem transporte de órgãos, eventualmente levam água em algum lugar que não tem acesso, entre outros. É principalmente porque eles acabam cumprindo tarefas que outras agências estatais fragilizadas não cumprem. 

Durante o governo Bolsonaro, foi a primeira vez em que a gente começou a ver um declínio na opinião pública desse status das Forças Armadas. Quase todas as vezes em que estourava um escândalo de corrupção, isso aparecia em alguma medida nas pesquisas de opinião. Não é que também as pessoas deixaram de gostar dos militares por y ou por z. É porque passou a fazer parte do repertório um conjunto de coisas que os militares já faziam, mas que não eram de conhecimento das pessoas. 

:: Inquérito do golpe falha ao não afrontar financiadores, diz cientista social; ouça ::

Hoje em dia, por exemplo, você não tem nenhuma pessoa que não tenha raiva das pensões. Mas nem todo mundo sabia que isso existia. Então, os militares, quando vão para a política, também vão para a vitrine. Eles passam a ser observados pela população. Essa é a segunda fase. 

A terceira e última fase, foi após dia 8 de janeiro de 2023, um conjunto de cidadãos brasileiros queriam que os militares dessem um golpe, um golpe aberto. Algumas postagens do Exército passaram até ser fechadas. Porque toda vez que tinha uma postagem do Exército, imediatamente, um bando de gente ia criticar, com comentários como "vocês tinham que ter dado o golpe". 

Daí, houve uma queda na opinião pública, tanto entre uma opinião pública mais crítica, que vai ser crítica ao que foi, por exemplo, a ida dos militares para o governo, quanto da opinião pública mais à extrema direita, que vai achar que os militares não foram golpistas o suficiente. Há então, na verdade, reflexos na imagem institucional dos dois lados. 

Agora, os últimos eventos dão uma outra camada, que precisamos observar ainda para ver como vai impactar na imagem dos militares. Eu acho que a tendência é que a instituição saia mais forte. No sentido de que se livrou de um ou outro extremista, como o próprio ministro fala, "um ou outro CPF", que estava ali em uma máquina podre. Mas a instituição em si vai sair como forte para para sociedade.

É um processo de repaginação de imagem. Você vê os militares equilibrarem muito bem as relações durante o governo Lula. Eles saíram, eles participaram do resgate de civis na Palestina, se destacaram nas operações de desintrusão do garimpo nas terras Yanomami, salvaram gente nas enchentes no Rio Grande do Sul, etc. É quase como se dissessem: "olha, agora voltamos a fazer tudo que a gente sempre fez antes. Podem voltar a gostar da gente".

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Ana Carolina Vasconcelos


Confira as 3 postagens mais lidas na última semana