
O círculo vicioso do ódio – artigo de opinião de Mauro Nadvorny
A cena bem que poderia fazer
parte de um filme, ou um destes seriados novos da Netflix. Duas crianças cruzam
um portão, se aproximam dos policiais que fazem a segurança do local, sacam
suas facas e atacam o primeiro policial mais próximo. São várias tentativas de
esfaqueá-lo, algumas bem-sucedidas, até que os demais seguranças saquem suas
armas e comecem a atirar. Uma das crianças é morta, a segunda gravemente
ferida. O segurança também acaba ferido levemente. Um funcionário palestino que
estava na rua também é ferido por uma bala perdida.
Esta cena é real, aconteceu
ontem, 15 de agosto em Jerusalém. Quem vive aqui já convive com este tipo de
ataques que acontecem esporadicamente, mas até agora, cometidos principalmente
por adultos ou adolescentes. As vítimas atacadas vão desde simples transeuntes,
passando por eventuais turistas e forças de segurança. Em quase sua totalidade
os perpetuadores são mortos pela polícia o que faz destes ataques uma ação
suicida.
Infelizmente as coisas não
terminam com a morte dos atacantes, que aqui são chamados de terroristas. Em
poucos dias as casas onde viviam, e não importa se sós ou com suas famílias,
será destruída numa forma de punição coletiva. Todos vão pagar pelo crime. A
tragédia atinge a todos.
Existem todo tipo de explicações
para estes atentados. A ocupação dos territórios palestinos há mais de 50 anos
é o mais simples. No entanto, eu acho que a desumanização do outro é o
principal. Para boa parte dos israelenses, os palestinos são todos terroristas
que mais cedo, ou mais tarte, vão atacar Israel para expulsar todos os judeus
da Palestina. Do outro lado, boa parte dos palestinos acredita que os sionistas
israelenses são monstros culpados por todos seus problemas. O conflito que teve
seu ápice na criação do Estado de Israel segue cobrando vidas.
A mídia israelense e a palestina
em nada contribuem, com poucas exceções, para desconstruir este dueto
terrorista e sionista. Ambas empregam estes termos no dia a dia da cobertura de
tudo o que acontece de mal em Israel e nos territórios. No início desta semana
um jovem religioso de 19 anos foi covardemente assassinado quando retornava
para seu local de estudos nos territórios ocupados. Aparentemente foi escolhido
a esmo. Estava no lugar errado, na hora errada quando um grupo de jovens
palestinos passou por ele e decidiram matá-lo.
Infelizmente a educação de
israelenses e de palestinos não é direcionada para a paz e a convivência em
comum. Todos são demonizados e como representantes do mal, se justifica
maltratá-los e acabar com suas vidas. É o círculo vicioso do ódio.
A solução do conflito ainda é
política, mas sem uma revolução na educação de ambos os povos, está cada dia
mais difícil e vai se tornando um problema de difícil solução. Com o aumento da
colonização dos territórios palestinos ocupados, a solução da dois estados vão
diminuindo diante da impossibilidade de se constituir um estado palestino com
uma continuidade territorial. Não bastasse a necessidade de uma ligação
terrestre com Gaza, os centros populacionais palestinos estão sendo cercados
por colônias judaicas.
Num cenário onde os palestinos
estão radicalmente divididos com dois governos que não se entendem, um na
Cisjordânia e outro em Gaza, e um governo nacionalista e xenófobo em Israel,
encontrar uma maneira de voltar a mesa de negociações para tratar de um acordo
de paz, não é tarefa simples, é quase impossível.
No início de setembro teremos
eleições em Israel novamente. Nas últimas, o partido de Bibi que não conseguiu
formar um governo, dissolveu o parlamento recém-eleito e novas eleições foram
convocadas. O problema é que as pesquisas apontam que a situação vai se
repetir. Nem a direita, tampouco a esquerda conseguem atualmente obter maioria
para formar um governo. São necessários 61, ou mais cadeiras em um parlamento
com 120 eleitos.
Uma possibilidade seria um
governo com os dois maiores blocos que juntos devem ter 60, ou pouco mais de
cadeiras, e um terceiro partido formarem o governo. O bloco do centro diz que
não senta em um governo com Bibi. Já o bloco de Bibi diz que ele é o único
líder deles para formar um governo.
O terceiro partido, formado
principalmente por imigrantes russos, diz que não senta em um governo com
religiosos e aceita formar o governo de coalizão com os dois maiores blocos.
Mas Bibi diz hoje que não aceita um governo assim sem os religiosos.
Os partidos árabes não são
convidados por ninguém e devem ter em torno de 10 a 12 cadeiras. A extrema
direita seria parceira natural de Bibi, mas já estão brigando entre si e com
Bibi. A esquerda reunida no bloco Campo Democrático só aceitaria fazer parte de
um governo com o centro, assim como o já diminuto Partido Trabalhista.
O conflito com os palestinos não
é o tema mais importante tratado pelos partidos. A situação da economia, da
educação, da saúde e da segurança são os tópicos mais importantes.
É neste cenário que inicialmente
duas congressistas norte-americanas foram impedidas de entrarem em Israel. Não
por casualidade muçulmanas e críticas das políticas do governo de Israel.
Quando eu escrevia este artigo, uma delas, Rashida Tlaib, filha de emigrantes
palestinos, teria tido seu pedido humanitário de rever sua avó muito doente
sido aceito e sua entrada permitida. Na
sequência ela desistiu da visita.
A decisão do governo provisório
israelense de barrar as congressistas, em um apoio tácito ao presidente Trump
que é um desafeto delas, terá graves consequências para Israel.
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