Os Congressos representam o momento constituinte do PT. Neles, o Partido ajusta o seu programa e o seu estatuto para se adaptar aos desafios atuais.
No I Congresso, em 1991, por exemplo, o PT formulou a sua concepção sobre socialismo e democracia e garantiu cota de 30% para as mulheres. No II, em 1999, o PT estruturou a sua proposta de Reforma Política para o Brasil, passando a defender o fim do financiamento privado de campanhas e aprovou o Processo de Eleições Diretas. Em 2007, o III Congresso criou a Escola de Formação Política e a aprovou o Código de Ética do Partido. Na IV edição, em 2010, foram aprovadas a paridade de gênero, 20% de cotas para negros e para jovens em todas as direções.
Após as manifestações ocorridas em junho de 2013, depois de 10 anos à frente do Governo Federal, o PT decidiu convocar um novo Congresso com o objetivo de atualizar o programa do Partido, promover reformas internas e construir novas dinâmicas organizativas para se atualizar frente ao novo momento histórico da sociedade.
No entanto, desde o primeiro momento, o atual grupo majoritário do Partido tem demonstrado imensa dificuldade em enfrentar um debate mais profundo. Em razão disso, os debates foram sendo postergados e o quinto Congresso se desdobrou em três momentos. Cada um antecedido por grande expectativa que foi resultando em frustração, num processo que durou um ano e meio.
A primeira etapa foi realizada entre os dias 12 a 14 de dezembro de 2013. Nessa fase, a Resolução aprovada mais importante foi em defesa da política de superávit fiscal do Governo Dilma. Política essa, aliás, implodida pelo próprio Governo ao longo de 2014.
Uma segunda etapa ocorreu com um Seminário sobre tática eleitoral, realizado em abril de 2014, quando o Presidente Nacional do PT, Rui Falcão, afirmou que o Partido não permitiria “nem a volta de um passado de recessão, arrocho e desemprego”.
No lançamento da Segunda Etapa (o terceiro momento) do Congresso, ocorrido em Brasília (1), o Presidente Lula fez um forte discurso dizendo que era hora do PT mudar profundamente seu funcionamento, que o Partido estava se profissionalizando demais e absorvendo vícios do sistema político brasileiro, e que essas mudanças deveriam ser construídas no Congresso em Salvador.
No entanto, nada poderia ser mais destoante das energias das ruas de 2013 e da fala do Presidente Lula, do que o que ocorreu em Salvador nesse junho de 2015, quando nenhuma atualização programática ou organizativa foi feita no Partido.
A maioria nacional não só derrotou qualquer proposta de mudança como simplesmente se eximiu de propor qualquer mudança. Grande parte das etapas preparatórias tiveram pouca mobilização, os debates foram superficiais e sem novidades, a tese principal do Congresso foi apresentada dois dias antes do encontro e a plenária final se resumiu a cinco votações, em que todas as propostas de modificação foram derrotadas e todas as demais propostas não foram sequer analisadas.
O V Congresso demonstrou que a crise política não está ocorrendo apenas “de fora para dentro”, mas também de “dentro para fora”, em razão de uma falta da capacidade de propor novos caminhos e novas propostas para o futuro do Partido e do Brasil.
O grupo majoritário do Partido tem méritos por ter conduzido o PT ao Governo Federal, em 2002, e pelas vitórias eleitorais, mas também tem responsabilidade pelas diversas dificuldades que o Partido passou desde então. Este deveria ser o grupo mais preocupado em propor mudanças internas, capazes de manter o vigor político do PT, não apenas como máquina eleitoral, mas como propulsor de mudanças políticas, culturais e econômicas.
Estamos vivendo a maior transformação política do Ocidente desde o final do século XIX, quando surgiram os atuais Partidos Socialistas em toda a Europa. Nos últimos anos, os tradicionais Partidos Trabalhistas e Socialistas simplesmente estão sendo ultrapassados pela história. Sua incapacidade de propor alternativas fora do modelo neoliberal e se abrir para novas energias sociais deu espaço para o surgimento de novas organizações políticas de esquerda, mais horizontais, colaborativas e abertas, que têm surgido das manifestações das ruas, onde a derrota do PSOE pelo Podemos, nascido do 15M, é o grande exemplo.
No Brasil, estamos vivendo a mais grave crise política desse ciclo democrático, com a direita tendo realizado fortes manifestações de ruas, grupos fascistas surgindo com força e um discurso conservador se espalhando por todo o tecido social.
E de forma muito grave, o PT parece inerte a todo esse processo global e nacional. É nos momentos de crises que as direções devem demonstrar capacidade de liderar, reascender as esperanças e apontar novos rumos.
Quando não se quer debater os temas, sempre se encontra motivos. Sejam crises, eleições ou até mesmo momentos de bonança. Tudo pode ser justificativa. O perigo de evitar o debate é a síndrome, contada pelo escritor francês Vitor Hugo, do cavaleiro que combatia o dragão e foi se tornando cada vez mais parecido com ele. O grande risco é que retardar excessivamente esses debates podem fazer com que eles aconteçam tarde demais.
(1) escute a fala completa do Presidente Lula no lançamento da segunda etapa do 5 Congresso: http://www.pt.org.br/radio-pt/discurso-de-lula-durante-ato-de-lancamento-da-2a-etapa-do-5o-congresso/
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Alberto Kopittke é advogado e vereador de Porto Alegre.
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