Para compreender a crise na Venezuela
Março 2019
Sumário
Introdução
Na Venezuela se trava uma batalha mundial da luta de
classes que marca a geopolítica de todo século XXI com
relação à tentativa dos Estados Unidos de afirmar sua hegemonia em tempos de
crise capitalista.
Quais os motivos que fazem com que a Venezuela siga
de pé diante dos ataques das forças imperialistas e dos retrocessos na América
Latina?
“Para compreender a crise na Venezuela” convida você a estudar
esse processo e ter argumentos para travar a batalha de ideias que é decisiva
em nosso tempo histórico na luta pela auto- determinação, soberania, democracia
e defesa dos direitos dos povos.
Entenda o passo a passo dos ataques à Revolução
Bolivariana.
Não a guerra, sim a paz
na Venezuela!
“Mi vida está consagrada totalmente a la
defensa de la patria, en cualquier circunstancia jamás me doblegare, jamás me rendiré,
siempre defenderé nuestra patria, con mi vida si es necesario defenderla”
Nicolás Maduro
Foto:
Rafael Stédile
Foto:
Rafael Stédile
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Quais são os impactos da guerra econômica contra
a população da Venezuela?
Pascualina Curcio[1]
"Os
Estados Unidos preparam novas e significativas sanções contra a Venezuela". Esta
foi a manchete de muitos jornais em todo o mundo no último dia 12 de março. A
informação foi divulgada por Elliot Abrams, enviado especial do governo de
Donald Trump para a Venezuela.
Declarações similares foram oferecidas por outros
porta-vozes da Casa Branca. Recentemente, com o mesmo estilo de "fazer a
economia gritar", pronunciado por Richard Nixon, referindo-se ao Chile no
início dos anos 70, William Brownfield disse:
"Se formos punir a
PDVSA, isso terá um impacto sobre toda a cidade, na cidadão comum. O contra-argumento
é que as pessoas sofrem muito com a falta de alimentos, segurança, medicina,
saúde pública, neste momento, talvez, a mais alta resolução seria acelerar o
colapso ainda que ele produza um período de sofrimento de meses ou talvez
anos.”
Desde 1999, o povo venezuelano tem sido vítima de
ataques sistemáticos por parte dos governos dos EUA. Basta lembrar da
sabotagem, em novembro de 2002, contra a principal indústria do país, a
Petróleos da Venezuela, empresa que gera 98% da renda em moeda estrangeira para
a nação, e cuja paralisia implicou uma perda de 16 bilhões de dólares para a
economia venezuelana.
A partir de 2013, após a morte do presidente Hugo
Chávez e o início do primeiro mandato de Nicolás Maduro, o governo dos EUA
retomou os ataques contra o povo venezuelano, que foram encobertos
inicialmente, mas com o passar do tempo se tornaram não apenas abertos,
formais, mas mais intensos.
Trata-se de ataques econômicos que não se limitam
a medidas coercitivas unilaterais caracterizadas principalmente por bloqueios
financeiros e comerciais, mas que também atacam nossa moeda, o bolívar,
induzindo uma hiper-inflação e uma desestabilização de todos os setores da
economia, desencadeando uma importante contração da produção nacional e,
portanto, afetando a população venezuelana. Trata-se de uma guerra econômica.
Os ataques econômicos são parte de um plano cujo
objetivo é derrubar o governo constitucional, legítimo e democraticamente
eleito na Venezuela através da desestabilização econômica e política, acompanhada
de um discurso no qual o governo bolivariano e seu modelo são
responsabilizados, que permita minar o apoio popular, bem como fraturar a Força
Armada Nacional Bolivariana, resultando em um golpe de Estado.
Este plano foi revelado em dois respectivos
documentos assinados pelo chefe do Comando Sul dos EUA, Kurt Tidd. O primeiro
deles intitula-se "Venezuela Livre-2 Operação", de 25 de fevereiro de
2016, e o segundo, "Golpe mestre para acabar com a
"ditadura" da Venezuela", de fevereiro de 2018. Lê-se nesses
documentos:
"Intensificar a derrubada definitiva do chavismo e a expulsão de
seu representante, minar seu apoio popular (…) Continuar endurecendo a condição
dentro das Forças armadas para levar a cabo um golpe de Estado (…)
Incitar a insatisfação popular aumentando o processo de
desestabilização e de desabastecimento (…) Contribuir para tornar a situação da
população mais crítica (…)
Aumentar a instabilidade interna as níveis críticos, intensificando a
descapitalização do país, a evasão de capital estrangeiro e a deterioração da
moeda nacional, aplicando novas medidas inflacionárias que aumentam essa
deterioração (…) Obstruir todas as importações e, ao mesmo tempo, desencorajar
potenciais investidores estrangeiros”.
No marco desses planos, que requerem o apoio da
comunidade internacional para a posterior entrada em território venezuelano, o
governo dos EUA considera como estratégia a geração de uma crise humanitária
que justifique a intervenção por meio da ajuda humanitária. Pode-se ler nos
documentos:
"Especial interesse
adquire, nas atuais circunstâncias, posicionar a matriz de que a Venezuela
entra em um estágio de crise humanitária devido à falta de comida, água e
medicamentos, devemos continuar com a gestão do cenário onde a Venezuela está
perto de um colapso e de implodir, exigindo da comunidade internacional uma
intervenção humanitária para manter a paz e salvar vidas(…)".
Doutrinariamente, o Estado e sua política de
controle devem ser responsabilizados como causa de estagnação econômica, inflação
e escassez”.
Não podemos deixar de mencionar que o ataque
terrorista e criminoso ao sistema nacional de eletricidade perpetrado no dia 7
de março, que resultou em um apagão e deixou sem eletricidade, água e
comunicação toda a população venezuelana por um período de quase três dias,
colocando em risco a vida dos venezuelanos e violando seus direitos humanos,
faz parte desses planos para gerar caos e desestabilização.
Vamos focar este relatório no impacto dos ataques
econômicos para o povo venezuelano. Consideramos tanto as medidas coercitivas
unilaterais, isto é, as sanções e bloqueios financeiros e econômicos, quanto o
ataque à moeda. Apresenta-se a metodologia utilizada para estimar as perdas
causadas por esses ataques, assim como a fonte das informações.
Cronologia das medidas coercitivas contra a população da Venezuela
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Dezembro de 2014. O Congresso
dos EUA aprova a Lei 113-278: "Lei Pública de Defesa dos Direitos
Humanos e da Sociedade Civil na Venezuela", através da qual é definido o
roteiro para a política dos EUA em relação à Venezuela, e para que outros
Estados, sob sua influência, adotem medidas coercitivas unilaterais contra a
Venezuela.
Março de 2015. Barack Obama
emite a Ordem Executiva 13.692 através da qual declara a Venezuela como uma
"ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional e à política
externa dos Estados Unidos".
Março de 2016. O governo
dos EUA renova por um ano a Ordem Executiva 13.692.
Maio de 2016. O banco
Commerzbank (Alemanha) fecha as contas mantidas por diversas instituições,
bancos públicos pela empresa pública Petróleos da Venezuela SA (PDVSA).
Julho de 2016. O banco
norte-americano Citibank encerra, unilateralmente, o serviço de contas
correspondentes em moeda estrangeira de instituições venezuelanas nos EUA,
inclusive as do Banco Central da Venezuela (BCV). As agências de
classificação de risco classificam a Venezuela como o país com o maior risco
financeiro do mundo (2640 pontos), bem acima dos países em guerra, apesar de
ter cumprido seus compromissos de dívida externa. Desde 2013, a Venezuela
pagou mais de 63 bilhões de dólares, no entanto, esse índice aumentou 202% no
mesmo período, passando de 768 em 2012 para 2323 em 2016. Cada 100 pontos de
risco equivale a uma taxa de juros adicional de 1%.
Agosto de 2016. O Novo Banco
(Portugal) informa a impossibilidade de realizar operações em dólares com
bancos venezuelanos, devido a pressões exercidas por agências credenciadas
desta instituição. Setembro de 2016. O governo venezuelano faz uma oferta
para trocar 7 bilhões de dólares em títulos da PDVSA, a fim de aliviar o
cronograma de amortização e refinanciar parcialmente suas obrigações. As três
principais agências de classificação de risco americanas assustam os
investidores com a declaração de inadimplência (inadimplência) caso aceitem a
proposta venezuelana.
Novembro de 2016. O banco JP
Morgan emite um falso alerta para "default" sobre um suposto não
pagamento da dívida da PDVSA de 404 milhões de dólares. A empresa de petróleo
norte-americana Conoco Phillips processou a PDVSA em um tribunal em Delaware,
nos EUA, por uma operação de resgate de títulos. O objetivo deste recurso
legal era amedrontar os participantes e, assim, fazer com que a operação
falhasse.
Dezembro de 2016. A empresa
Crane Currency, fornecedora de cédulas do Departamento do Tesouro e
contratada pelo Estado venezuelano para imprimir o papel-moeda do sistema
monetário, atrasa o envio das cédulas novas.
Julho de 2017. A
empresa Delaware Trust, agência de pagamento dos títulos da PDVSA,
informa que sua credencial (PNC Bank) nos EUA se recusa a receber fundos da
companhia petrolífera venezuelana. O banco Citibank (EUA) se recusa a receber
dinheiro venezuelano para a importação de 300 mil doses de insulina. O
Departamento do Tesouro, através do Escritório para o Controle de Ativos no
Exterior (OFAC), emite sanções contra um grupo de autoridades venezuelanas,
incluindo o Presidente da República, Nicolás Maduro Moros, um dia após a
celebração da eleição da Assembleia Nacional Constituinte.
Agosto de 2017. O banco suíço
Credit Suisse proíbe seus clientes de realizar transações financeiras com a
Venezuela. O Banco do Banco da China (BOC - Panamá) informa que, devido às
instruções do Departamento do Tesouro dos EUA e à pressão do governo
panamenho, não poderá realizar quaisquer operações em moeda estrangeira
a favor da Venezuela.
Outubro de 2017. O bloqueio
financeiro dos EUA impossibilita que a Venezuela deposite no banco suíço UBS
recursos para vacinas e medicamentos adquiridos por meio do Fundo Rotativo e
do Fundo Estratégico da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o que
gerou um atraso de quatro meses na aquisição da vacinas, alterando esquemas
de vacinação no país. Os bancos russos relatam a impossibilidade de fazer
transações para os bancos venezuelanos, devido à restrição imposta pelas
agências dos EUA e da Europa às operações venezuelanas. O correspondente do
banco BDC Shandong, alegando razões administrativas, paralisa uma transação
de 200 milhões de dólares para a Venezuela, apesar dos fundos terem sido sacados
pela República Popular da China. Donald Trump emite a Ordem Executiva 13.808:
"Imposição de sanções em relação à situação na Venezuela", que
estabelece as seguintes proibições: a) O governo venezuelano deve adquirir
novas dívidas com vencimento superior a 30 dias; b) A PDVSA deve adquirir uma
nova dívida, maior do que 90 dias; c) Nova aquisição de ações pelo governo
venezuelano, d) Pagamento de dividendos ou distribuição de lucros ao governo
venezuelano por empresas que operam nos EUA, o que afeta particularmente a
refinaria da CITGO. A empresa
Euroclear, encarregada da custódia de parte dos títulos soberanos da
Venezuela, congela as operações de liquidação de títulos, alegando motivos de
"revisão". Na ocasião, a Euroclear reteve 1,6 bilhões de dólares
sem a possibilidade de movimentação.
Setembro de 2017. O
Departamento do Tesouro, através de sua Rede de Controle de Crimes
Financeiros (FINCEN), emite um alerta chamado "bandeiras
vermelhas", que impõe um sistema de vigilância e controle às transações
financeiras venezuelanas, para impedir o pagamento de alimentos e
medicamentos. Um carregamento de 300 mil doses de insulina pagas pelo Estado
venezuelano não chega ao país porque o banco do Citibank boicotou a compra
desse importante insumo. O desembarque de 18 milhões de caixas de
alimentos subsidiados do Programa Comitês Locais de Abastecimento e Preços é
interrompido por entraves impostos pelo sistema financeiro estadunidense. A
Venezuela é incluída na lista de países com proibição de viagem aos EUA
(travel ban). A proibição se aplica apenas aos funcionários do governo
venezuelano.
Outubro de 2017. A empresa de
refino PBF Energy, quinto maior importador de petróleo venezuelano da
Venezuela, suspende as compras diretas da PDVSA. O Canadá aprova o projeto de
lei S-226, que autoriza impor restrições às transações de bens e congelar os
ativos de autoridades estrangeiras. A petroleira estadunidense NuStar Energy
proíbe a PDVSA de usar um terminal de armazenamento no Caribe. O Deutsche
Bank informa ao Citic Bank da People's Republic of China, o fechamento de
suas contas em agências credenciadas por processar os pagamentos da PDVSA.
Novembro de 2017. A Colômbia
bloqueia o envio do tratamento antimalárico (primaquina e cloroquina)
solicitado ao laboratório da BSN Medical nesse país. As empresas
farmacêuticas transnacionais Baster, Abbot e Pfizer se recusam a emitir
certificados de exportação para medicamentos oncológicos, tornando impossível
a compra por parte da Venezuela. Os EUA sancionam e banem as autoridades
venezuelanas que administram os programas de fornecimento de alimentos,
impedindo-os de assinar acordos comerciais ou convênios internacionais que
favoreçam a política alimentar da Venezuela. A União Européia proíbe a venda
de armas e equipamentos de segurança para a Venezuela. O Deutsche Bank,
principal agência do Banco Central da Venezuela (BCV), fecha definitivamente
suas contas. Um total de 23 operações financeiras da Venezuela, destinadas à
compra de alimentos, suprimentos básicos e remédios por 39 milhões de
dólares, são devolvidas por bancos internacionais. A agência de classificação
Standard and Poor's declara a Venezuela em "default seletivo".
Dezembro de 2017. Os
pagamentos venezuelanos são bloqueados do serviço de cabotagem para o
transporte de combustível, o que causa escassez deste produto em vários
estados. Um total de 19 contas bancárias venezuelanas no exterior são
arbitrariamente fechadas por bancos estadunidenses, impedindo pagamentos a
credores. 471 mil pneus adquiridos no exterior cujos pagamentos foram
realizados são retidos no exterior.
Janeiro de 2018. 11 títulos
da dívida venezuelana e da PDVSA, no valor de 1,2 bilhões de dólares, não
puderam ser pagos a seus credores por causa do obstáculo das sanções.
Fevereiro de 2018. O Departamento
do Tesouro dos EUA amplia as sanções financeiras à Venezuela e às empresas
venezuelanas estabelecidas na Ordem Executiva 13.808 de agosto de 2017. Ela
impede a renegociação ou a reestruturação da dívida venezuelana e da PDVSA
emitida anteriormente a 25 de agosto de 2017.
Março de 2018. A
Administração Trump: a) Renova por um ano a Ordem Executiva 13.692; b) Renova
a Ordem Executiva 13.808 e impõe seis novas medidas coercivas que ameaçam a
estabilidade financeira da Venezuela, ao proibir a reestruturação da dívida,
e impede a repatriação de dividendos Citgo Petroleum, empresa do Estado
venezuelano. c) Dita a Ordem Executiva 13.827 que proíbe que qualquer cidadão
ou instituição faça transações financeiras com a criptomoeda venezuelana
Petro; d) O governo do Panamá publica uma lista de 55 cidadãos venezuelanos
sancionados (incluindo o presidente Nicolás Maduro) e 16 empresas
venezuelanas consideradas de "alto risco".
Abril de 2018. O chanceler
do Peru, no marco da Cúpula das Américas, e em nome do Grupo de Lima, anuncia
que eles decidiram criar um grupo de acompanhamento para estudar medidas
políticas e econômicas contra a Venezuela. Na mesma Cúpula, os EUA e a
Colômbia acordam agilizar mecanismos para perseguir as transações financeiras
na Venezuela e dificultar as linhas de abastecimento de mercadoria que o país
requer.
Maio de 2018. Exigindo uma
sentença favorável de uma decisão arbitrária por 2,4 bilhões na Câmara de
Comércio Internacional, a empresa americana de petróleo Conoco Phillips
anuncia que vai embargar os ativos internacionais da PDVSA. Bloqueiam o
pagamento de 9 milhões de dólares destinados à aquisição de insumos para
diálise, para o tratamento de 15 mil pacientes em hemodiálise. O governo
colombiano bloqueia o envio de 400 mil quilos de alimento do programa de
subsídios alimentares dos Comitês locais de Abastecimento e Produção (CLAP). Em
represália à eleição presidencial para o período 2019-2025, na qual mais de 9
milhões de cidadãos votaram e Nicolás Maduro venceu com 67% dos votos, Donald
Trump emite a Ordem Executiva 13.835, através da qual amplia as sanções
econômicas contra Venezuela e proíbe a compra de dívidas e contas a pagar de
empresas do Governo da Venezuela. Os EUA sancionam 20 empresas da Venezuela
por supostas ligações com o tráfico de drogas.
Agosto de 2018. Os EUA
autorizam a Crystallex a confiscar os ativos da Citgo Petroleum, de
propriedade da PDVSA. O governo brasileiro deixou de pagar 40 milhões de
dólares que devia à Corporação de Eletricidade da Venezuela pelo fornecimento
de energia ao estado de Roraima. O ministro das Relações Exteriores do
Brasil, Aloysio Nunes, declarou que a dívida elétrica "não foi
cancelada devido ao bloqueio econômico e financeiro imposto pelos EUA e pela
União Europeia contra a Venezuela".
Novembro de 2018. Donald Trump
proíbe cidadãos estadunidenses de negociarem ouro exportado do país
sul-americano.
Janeiro de 2019. A
administração Donald Trump aprova novas sanções contra a Petróleos da
Venezuela S.A. (PDVSA), que incluem o congelamento de 7 bilhões de dólares em
ativos da subsidiária CITGO, além de uma perda estimada de 11 bilhões de
dólares de suas exportações durante os próximos anos.
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Como atacaram a moeda
Paralelamente à implementação de medidas coercitivas, bloqueios,
sanções e apropriação de bens, o imperialismo esteve atacando a moeda nacional,
o bolívar, a fim de induzir a inflação e afetar os níveis de produção
doméstica. Isso foi feito através da manipulação diária da taxa de câmbio por
meio de sites cujos domínios estão hospedados no território dos EUA,
especificamente em Miami.
Ao manipular a taxa de câmbio e cotá-la a um valor mais alto do que o
oficial, incidem sobre os preços de todos os bens importados, que, por sua vez,
são necessários para os processos de produção. O aumento dos preços dos
produtos importados aumenta todos os custos de produção e, consequentemente, os
preços dos bens finais.
É o que se conhece por choque de oferta, que se manifesta em uma
estagflação, isto é, um aumento nos preços (inflação) com estagnação ou recessão
econômica. Historicamente, os aumentos na taxa de câmbio na Venezuela levaram a
aumentos nos preços internos da economia e, a partir de 2013, tal tipo de
mudança vem sendo manipulado politicamente por meio de portais hospedados nos
EUA.
Este ataque contra a economia venezuelana e, portanto, contra toda a
sua população tem três efeitos: 1) deteriora o salário real; 2) diminui os
níveis de produção; 3) torna insuficiente o gasto público e o investimento
público. Desde 2013 até agora, a taxa de câmbio foi manipulada em 3,5 bilhões
por cento. Em 2013, foi cotado a 8,69 BsF [bolívar]/US$ e hoje está publicado
em 3,5 bilhões BsF/US$.
Nada que tenha ocorrido na economia venezuelana pode explicar essa
suposta depreciação da moeda em tais magnitudes. Tem sido uma manipulação da
taxa de câmbio que atende a um padrão de comportamento político associado a
momentos de alto conflito ou de processos eleitorais.
Estimamos os prejuízos que o ataque à moeda causou nos níveis de
produção nacional que, somados aos causados pelo bloqueio, pelas sanções e pela
apropriação ilegal de nossos bens, mostram a magnitude criminosa das medidas
coercitivas unilaterais por parte do imperialismo contra o povo
venezuelano.
Impacto
da Guerra Econômica contra a Venezuela
Chegam a mais de 114 bilhões de dólares as perdas
causadas por medidas coercitivas unilaterais que, desde 2013 e até o momento,
os EUA tem imposto ao povo venezuelano, incluindo o ataque à moeda nacional.
Destes 114 bilhões, 21 bilhões de perdas foram ocasionadas por medidas
coercitivas unilaterais, bloqueios financeiros, embargos comerciais, pelo roubo
de ativos da CITGO, os recursos que não são cobrados por tal ato de roubo, o
ouro retido na Inglaterra e os euros bloqueados na Euroclear. A diferença, ou
seja, quase 93 bilhões, corresponde ao que paramos de produzir como resultado
do ataque sobre a moeda, que além de induzir a inflação, também diminui os
níveis de produção nacional.
Impacto das medidas coercitivas unilaterais
Em um cenário de estimativas muito conservador,
as perdas causadas pelas medidas coercitivas unilaterais somam 21 bilhões de
dólares até o momento. Inclui:
1) 11
bilhões de dólares de perdas devido à apropriação ilegal da companhia
petrolífera e da CITGO venezuelana pelos EUA.
2) 7
bilhões de dólares pela apropriação ilegal de ativos da CITGO.
3) 1,6
bilhões de dólares retidos pela Euroclear.
4) 1,2
bilhões de dólares equivalentes ao ouro retido pelo Banco da Inglaterra.
5) 467
milhões dólares pelo declínio no valor dos títulos em custódia no Euroclear,
que passou de mais de 1 bilhão de dólares para 625 milhões, diminuindo 57,24%
devido ao bloqueio financeiro.
6) 37
milhões de dólares devido a restrições operacionais impostas pelas companhias
de navegação e portos internacionais, como a transferência da carga que é
destinada à Venezuela e o aumento do tempo de espera; juntamente com o
aumento das taxas.
7) 655
mil dólares pelas transferências, consulta de pagamentos, alterações de
transferências, entre custos operacionais. Antes da aplicação das sanções dos
EUA, as instruções de pagamento eram enviadas pelos bancos e executadas em 48
horas. Agora, em média, um pagamento é feito entre 10 e 20 dias corridos.
8) 20
milhões de dólares pela diferença cambial, uma vez que a República
[Bolivariana] é obrigada a adotar outras moedas, diferentes do dólar
norte-americano, para realizar transações financeiras e comerciais.
9) 264
milhões de dólares por perda do título adquirido através do Credit Suisse,
correspondente à dívida pública externa.
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Estas são estimativas conservadoras, porque elas
não incluem, por exemplo, as perdas causadas pela descomposição de alimentos e
medicamentos retidos por mais tempo do que o esperado em navios ou o custo
adicional de transporte e procedimentos administrativos causados pela necessidade
de triangulações em compras para evitar sanções a empresas ou países por parte
dos EUA.
Impacto do ataque à moeda
Entre os ataques econômicos, não podemos deixar
de considerar o ataque sobre a moeda pelos seus efeitos para o povo
venezuelano, que não se limita apenas à deterioração do salário real da
hiperinflação induzida que tal ataque ocasiona, mas também tem um efeito
de contração da produção nacional e, portanto, do consumo nacional.
Esse ataque vem de páginas da web cujo domínio
reside nos EUA, especificamente no portal dolartoday.
Historicamente a produção interna na Venezuela
ter sido determinada a 96,6% em níveis de exportação de petróleo durante os
últimos 4 anos, e particularmente desde as vendas de petróleo de 2016 afetou
apenas 60% do produto interno bruto, o outro 40% é influenciado pelo choque de
oferta resultante do ataque cambial. Em outras palavras, a queda do produto
interno bruto que registramos desde 2016 se deve, em 60%, à queda nas
exportações de petróleo e 40% ao ataque à moeda.
É por esta razão que, embora a recuperação das
exportações de petróleo em 2017 e 2018, principalmente devido ao aumento do
preço do petróleo, o produto interno bruto não foi recuperado, mas manteve sua
tendência descendente. Em condições normais, isto é, se não houvesse
manipulação política da taxa de câmbio, seria de esperar uma recuperação do
PIB, à medida que as exportações aumentassem. Não foi o caso em 2017 e 2018.
Em um cenário conservador, assumindo condições
normais sem guerra econômica, sem ataques ao bolívar, com um preço médio de
petróleo de 45 dólares, e os níveis de exportação de petróleo em torno de US$
37 bilhões, similares às exportações até 2015, o que supõe níveis iguais
de produção de petróleo que o registrado naquele ano, ou seja, 2,9 milhões de
barris por dia, e envolve supor que se não houvesse sabotagem na indústria do
petróleo, produto interno bruto deve estar em torno de US$ 131 bilhões,
equivalente a 2015.
Para calcular a diferença anual do PIB anual
esperado, ou seja, o de 2015, com o que efetivamente foi produzido nos
anos 2016, 2017 e 2018 , percebe-se que, no total, durante esses 3 anos foram
deixados de produzir mais de 92 bilhões de dólares.
Dessa perda estimada em mais de 92 bilhões de
dólares, que inclui os efeitos do ataque à moeda e do boicote silencioso da
indústria do petróleo, US$ 41,6 bilhões correspondem ao ataque à moeda.
Ao somar as perdas causadas pelas medidas
coercitivas unilaterais e aquelas relacionadas aos níveis de produção nacional
devido ao ataque à moeda e ao boicote à produção de petróleo, resulta em uma
perda total de 113,6 bilhões de dólares.
Impacto
da Guerra Econômica para o povo da Venezuela
Esses 114,3 bilhões de dólares são também
equivalentes à importação de remédios e alimentos para abastecer os 30 milhões
de venezuelanos durante 26 anos.
Por exemplo, em 2004, quando não foi registrada
escassez de comida, a importação, incluindo a matéria-prima para a produção,
foi de US$ 2,1 bilhões (dados do Instituto Nacional de Estatística). No caso
dos medicamentos, as importações somaram US$ 2,2 bilhões. Ou seja, com US$ 4, 3
bilhões por ano, as importações são cobertas e toda a população é
abatecid com insumos, matérias-primas e produtos finais para alimentos e
remédios. As perdas que até agora as sanções, o bloqueio e o ataque à moeda
causaram, coincidem com o investimento em saúde para 10 anos, levando em conta
que representa cerca de 10% do PIB anual. Em outras palavras, equivalem à
garantia de prestar atendimento de saúde hospitalar, ambulatório, preventivo,
tanto do setor público quanto do privado, a todos os venezuelanos durante 10
anos. Representam a garantia do direito à educação por 10 anos, tanto público
como privado, da pré-escola à universidade. O investimento em educação
representa 10% do Produto Interno Bruto anual.
Estas perdas representam o total das importações
anuais durante 7 anos e meio, incluindo máquinas, peças de reposição,
transporte, matérias-primas, insumos, alimentos e medicamentos, têxteis,
produtos da indústria química, etc. Por exemplo, em 2004, quando não houve
escassez, as importações anuais totalizaram 15 bilhões de dólares. Eles
correspondem ao total da dívida externa da República, que devemos pagar no
prazo de 20 anos. Para termos outras referências e podermos reconhecer a
magnitude do ataque criminoso e genocida sofrido pelo povo venezuelano,
oferecemos outros indicadores:
·
Com os
1,2 bilhões de dólares em ouro que a Inglaterra mantém retido, pode-se comprar
alimentos para 6 milhões de lares por 6 meses.
·
Só com os
20 milhões de dólares, são cobertos o atendimento e tratamento de 3 anos para
todas as pessoas com malária.
·
Com 40
milhões de dólares, procura-se o tratamento antirretroviral para pessoas com
HIV e AIDS por 2 anos.
·
Com 18
milhões de dólares, adquirimos 9 milhões de doses de vacinas necessárias para
aplicar o plano anual de vacinação.
·
Com os 11
bilhões de dólares que representam as perdas decorrentes do roubo contra a
CITGO, importamos todos os medicamentos e equipamentos médico-cirúrgicos
incluindo os insumos para a produção interna durante 5 anos.
Cada número apresentado aqui corresponde ao
rosto de uma mulher venezuelana, um homem, um menino, uma menina. Não se
trata apenas do impacto econômico sobre as importações ou a produção, é sobre
o impacto que esses ataques econômicos têm na garantia dos direitos humanos
de cada venezuelano.
|
|
Esses ataques afetam maciça e sistematicamente
toda a população, tanto civil quanto militar.
No entanto, devemos ressaltar que a Venezuela não
está em situação de crise humanitária. Sem desconsiderar as dificuldades para a
aquisição de alimentos e medicamentos que esses ataques causaram, no país
trabalho de rotina, atividades educacionais e recreativas estão se
desenvolvendo normalmente. Apesar do ataque criminoso contra o povo da Venezuela,
mais de 2,5 milhões de casas foram construídas nos últimos 6 anos, não foi
fechado um único hospital ou escola, as empresas de alimentos e remédios ainda
estão operando em nosso território. A Venezuela continua ocupando o primeiro
lugar como o país menos desigual da América Latina, segundo dados da CEPAL.
São indicadores que mostram que apesar das
dificuldades causadas pela guerra econômica, a Venezuela não está em situação
de crise humanitária, portanto, não requer ajuda humanitária.
Nós, venezuelanos, exigimos que os ataques
cessem, que as sanções e o bloqueio sejam interrompidos e que eles parem com o
ataque à nossa moeda.
Guerra
econômica: crime contra a Humanidade
O bloqueio financeiro e econômico contra um país,
que promove um embargo comercial, retêm suas divisas, apropria-se de seus
ativos e ataca a sua moeda, não só viola todas as normas internacionais, mas
também constitui crimes contra a humanidade, conforme definido pelo Estatuto de
Roma.
Alfred de Zayas, especialista independente sobre
a promoção de uma ordem internacional democrática e equitativa da ONU, visitou
a Venezuela em novembro de 2017, reuniu-se com todos os setores da sociedade e
produziu um relatório no qual que afirma que "A solução para a 'crise'
venezuelana está nas negociações de boa fé entre o governo e a oposição, o fim
da guerra econômica e o fim das sanções".
De Zayas sugeriu aos Estados Partes do Estatuto
de Roma "reconhecer os crimes geopolíticos, incluindo medidas coercitivas
unilaterais e manipulações monetárias que induzem a hiperinflação, como crimes
contra a humanidade". Ele afirma que "a guerra econômica, os
embargos, os bloqueios financeiros e os regimes de sanções são equivalentes a
crimes geopolíticos e crimes contra a humanidade nos termos do artigo 7 do Estatuto
do Tribunal Penal Internacional", por serem cometidos como parte de um
ataque generalizado e sistemático contra uma população civil e com conhecimento
de tal ataque.
Estes ataques econômicos que o imperialismo tem
colocado em prática sempre que ele se sente ameaçado com a possibilidade de que
se consolide um modelo de justiça social, a igualdade, a garantia dos direitos
humanos para toda a população, transcendem em tempo e espaço às fronteiras
venezuelanas. Aconteceu com o projeto socialista de Salvador Allende no Chile
entre 1970 e 1973, ou o da revolução sandinista na Nicarágua na década de 1980,
ou em Cuba desde a década de 1960 até os dias atuais.
Assim disse Allende em seu discurso na Assembleia
Geral da ONU em 04 de dezembro de 1972, no qual ele denunciou que seu país
estava sendo atacado, o discurso no qual, aliás, poucos acreditavam:
"O porta-voz do Grupo African declarou que o seu grupo se
solidarizava totalmente com o Chile porque não era uma questão que afetava
apenas uma nação, mas potencialmente todo o mundo em desenvolvimento. Essas
palavras têm grande valor, porque significam o reconhecimento de todo um
continente, que através do caso chileno se
levanta uma nova fase da batalha entre o imperialismo e os fracos países do
Terceiro Mundo".
É hora que estas ações coercitivas do
imperialismo não sejam apenas reveladas e denunciadas perante o mundo, mas
também reconhecidas como crimes contra a humanidade.
Nós, venezuelanos, não precisamos de ajuda
humanitária, o que nós reivindicamos é justiça para impedir a impunidade das
declarações como as oferecidas pelo porta-voz do Departamento de Estado dos
EUA, que disse, ao abordar a eficácia das medidas coercitivas unilaterais:
"A campanha de pressão
contra a Venezuela está funcionando As sanções financeiras que impusemos (…)
obrigaram o governo a cair em default, tanto na dívida soberana quanto na
dívida da PDVSA, sua petroleira. E o que estamos vendo (…) é um colapso
econômico total na Venezuela. Então nossa política funciona, nossa estratégia
funciona e nós a manteremos”.
Reconhecer medidas coercitivas unilaterais e o
ataque à moeda como crimes contra a humanidade seria um passo importante para a
estabilidade e a paz mundial.
Neste aspecto, a ONU tem, há décadas, uma grande
dívida.
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Notas para debater a crise na Venezuela
Por João Pedro Stédile[2]
1.
Há uma crise internacional do
modo de produção capitalista que vem se aprofundando desde 2008. A hegemonia do
capital financeiro estabelece que apenas as grandes corporações e os bancos
acumulem, ao contrário disso, as economias dos países se mantém à margem e as
populações, em especial os trabalhadores, pagam com mais desemprego, aumento da
desigualdade, migrações, conflitos sociais e perda de direitos, além da
diminuição dos serviços públicos básicos de educação, saúde, moradia, etc
2.
Com a eclosão da crise
econômica, os governos construídos em pactos de conciliação de classe e
estabilidade politica, não conseguem mais se sustentar, isso porque, o estado e
suas finanças se transformam em disputa das classes.
3.
Há também uma crise da chamada
democracia formal burguesa. As eleições e seus governos não conseguem mais
representar os interesses reais da maioria da sociedade, porque, suas vitórias
são fraudulentas, manipuladas e custeadas a base de milhões. Dessa maneira,
como reflexo dessa crise, a população não acredita mais nos políticos e no
regime de representação formal.
4.
Diante deste contexto
internacional, o capital dominante, através das corporações e bancos, voltam-se
prioritariamente para apropriação privada dos recursos da natureza: petróleo,
minérios, água, árvores, biodiversidade e energia, como forma de obterem altas
taxas de lucro, e, proveniente dessa renda extraordinária voltarem a acumular e
a crescer. No entanto, nem todos os capitalistas, apenas aqueles que se
apropriarem dos bens da natureza, que eram comuns, que não foram produzidos
pelo trabalho ao se transformarem em mercadorias, adquirem um preço com uma
renda fantástica.
5.
Na disputa internacional por
mercados e bens naturais, se desenhou uma nova correlação de forças entre os
EUA, a Europa Ocidental, a Euroasia
(Russia, Iran, China). Essas economias disputam entre si a apropriação
de bens da natureza e os mercados. Isso levou que os capitalistas dos Estados
Unidos aumentassem suas pressões sobre a America Latina, para mantê-la como
território refém de seus interesses, seu pátio-traseiro, como costumam nos
chamar, e, assim tem acessos a bens e mercados, e se contrapõem em melhores
condições, frente a seus concorrentes internacionais.
6.
No mundo da politica e da
ideologia, as crises fizeram emergir no mundo todo, novas forças burguesas de
ultra-direita. Essas forças reacionárias, se constroem ideologicamente com
novos inimigos: os migrantes, os direitos dos trabalhadores, os costumes, a
cultura, etc.
7.
Infelizmente essas forças de
ultra-direita, conquistaram pelo voto, alguns governos, como Governo Trump nos
Estados Unidos; Italia, Hungria, Andaluzia, na Europa e India e Filipinas na Ásia. Aqui na América
Latina, conquistaram os governos da Argentina, Brasil, Paraguay, Chile, Peru e
El salvador.
8.
Para vencer as eleições, as
forças de ultra-direita não expõem seus projetos e concepções ideológicas,
porque, sabem que não há apoio da maioria da população, então passam a
manipular a opinião pública, com o uso intensivo da internet, da produção de
mentiras sistematicamente contra a esquerda e os setores progressistas. Ainda,
utilizam das igrejas pentecostais, para iludir as populações mais pobres que
delas dependentes.
9.
Tudo isso, aconteceu também na crise
da década de 1930, quando os capitalistas se utilizaram do discurso
nacionalista e das ideias fascistas para controlar os governos e saírem da
crise. E se utilizaram das guerras mundiais para disputar mercado e eliminar
meios de produção com o custo de milhões de vidas humanas.
10.
É neste contexto que se pode
entender as derrotas de governos progressistas na América Latina, que atuavam
em conciliação de classes, e, embora não se tratasse de nenhum governo
revolucionário, foram desalojados pelas burguesias com quem estavam aliados.
11.
Assim, precisamos analisar a
ofensiva politica, ideológica e agora militar do capital dos Estados Unidos,
sobre a Venezuela, para controlar de forma privada e internacional suas
reservas de petróleo. A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo
e as mais próximas do mercado americano. Nenhum outro país ou território do
mundo poderia garantir e ampliar o acesso a petróleo, para os Estados Unidos.
12.
Além do que, todos analistas
preveem, por tudo isso, que os preços do petróleo devem voltar a margens
superiores a cem dólares ao barril, nos próximos dois anos, chegando já a 70
dólares o barril no final de 2019. Isso permitirá, para quem controlar as
reservas, uma fantástica renda petroleira.
13.
O povo da Venezuela está enfrentando
essa guerra há vinte anos, agora, aproxima-se uma nova etapa, que pode se
transformar em um conflito militar.
14.
Nestes anos, desde que Hugo
Chavez ganhou as eleições em 1998 e tomou posse em 1999 há um cenário
permanente de ataque dos capitalistas venezuelanos e internacionais ao processo
de mudança econômica e social na Venezuela. Poderiam até admitir um militar
governando a Venezuela, como tantos fizeram na América Latina, porém não
admitiram nunca, que o petróleo passasse a ser utilizado como um bem
fundamental para reestruturação da economia venezuelana, para financiar a
distribuição de renda e a solução dos problemas estruturais da população: moradia,
saúde, educação, transporte público e infraestrutura social.
15.
Nestes anos todos, os
capitalistas do norte e o governo Estadunidense, aplicaram toda sua experiência
histórica, que haviam utilizado em outros países, para tentar derrubar o
governo e o processo bolivariano em curso.
16.
Primeiro tentaram construir um
governo de composição de classe com Chávez, propondo politicas econômicas
neoliberais. Indicaram ministros e um presidente do Banco Central, não
funcionou, Chávez respondeu com a convocação de uma assembleia constituinte e a
redação de uma nova constituição, que devolveu ao povo, e não aos partidos
conservadores, a soberania do poder politico e dos destinos da nação.
17.
Depois apelaram para um golpe de
estado clássico, como fizeram em tantos países. Sequestraram o Presidente Hugo
Chavez do Palácio Miraflores, colocaram em seu lugar um empresário de presidente.
Diante desse fato, o povo deu a resposta, cercou o palácio e em 48 horas o
golpe foi derrotado pelo povo e por um grupo importante de cadetes e novos
militares que entraram no serviço militar com uma formação bolivariana. Esse
momento é de muita importância, pois marca a união cívico militar desse novo
momento que será fator de grande importância no desenvolvimento da revolução
bolivariana, já que, parte do alto mando das forcas armadas estavam apoiando o
golpe, por suas relações históricas com a oligarquia local.
18.
Os empresários que ainda estavam
na empresa petroleira PDVSA comandaram uma greve geral petroleira, paralisando
todas as atividades e provocando o caos no país, causando um clima de
desestabilidade social. O governo consegue junto com os trabalhadores reverter
esse processo e promover uma grande renovação na estrutura da empresa,
reorganizando o comando entre o governo e os trabalhadores.
19.
Aplicaram, então, a tática
chilena. Especulação com certos produtos para gerar pânicos na população,
esconder produtos que iam desde farinha até medicamentos ou bens com muito
apelo popular como papel higiênico, açúcar, leite, café e pasta de dente. O
governo usou as reservas de petróleo para compras estatais e distribuição
desses bens básicos para a população.
20.
Passaram, então, para a tática
ucraniana, do terrorismo público nas ruas com a prática das guarimbas, em que
jovens pequeno burgueses ou lumpens, pagos em dólar, bloqueavam rodovias,
queimavam locais simbólicos, jogavam bombas incendiárias em escolas infantis,
hospitais e até bases militares, etc. Mais uma vez, não funcionou e o povo
enfrentou o terrorismo e derrotou as guarimbas.
21.
Tentaram subverter e ganhar
oficias das forças armadas para seu projeto, compraram alguns, mas não
conseguiram o levantamento e a divisão militar. Mesmo porque, todos os
militares que eles conseguiram comprar estão fora da Venezuela, o que significa
dizer sem base de influência concreta.
22.
Acusaram sistematicamente o
governo venezuelano de ser ditador, tanto Chávez e agora, também Maduro. No
entanto, a oposição participou de 25 eleições, em vinte anos elegeram diversos
governadores, prefeitos e deputados, fazem comícios em praça pública e
controlam a maior parte dos meios de comunicação de massa. Como justificar que
se trata de uma ditadura? Em nenhum país ocidental há condições semelhantes.
Por outro lado, o processo eleitoral, com urnas eletrônicas e comprovante
impresso se transformou no processo mais transparente existente comprovado por
diversas fundações dos Estados Unidos que fiscalizaram as últimas eleições.
23.
Nos últimos meses,
intensificaram o bloqueio econômico, para evitar que cheguem mercadorias do
exterior, sendo uma economia petroleira, ainda são muito dependentes de bens
produzidos no exterior. E mais do que tudo operam abertamente com a manipulação
do câmbio na cotação do dólar com o Bolívar, desde um portal inexplicável
instalado em Miami. Sintomaticamente, a burguesia local, toma como referência
esse portal, sem nenhuma base econômica real para especular com o dólar, que
agora, virou mais que uma moeda, virou uma mercadoria. Porém uma mercadoria que
é referência para todas as demais.
24.
Impulsaram uma campanha de
estímulo e motivação para que milhares de pessoas saíssem do país com promessas
de emprego e futuro risonho. Mais de 30% dos que saíram, já retornaram ao país
desiludidos, recebendo apoio do governo para retornarem. Ainda que a migração
não seja um problema de venezuelanos, já que vivem no país mais de 5 milhões de
colombianos, milhares de haitianos, e também milhares de europeus que chegaram
no boom do petróleo da década de 1970, como espanhóis, italianos,
portugueses, e, também libaneses.
25.
A tese de exigir novas eleições
não tem paralelo na história das democracias burguesas modernas. Só porque a
direita perdeu as eleições para Maduro, fiscalizadas por centenas de
autoridades de todo mundo, então deve-se convocar novas eleições? Por que?
Não há base legal e moral para destituir um governo legítimo como foi
eleito. Ou a mesma tese poderia aplicar-se contra Bolsonaro, Macri? E sobre os
mesmos deputados da assembleia nacional que quer destituir Maduro, foram
eleitos pelo mesmo sistema.
26.
Agora, entramos na etapa
derradeira. O governo de Trump se
encurtando, tem ainda menos de dois anos, e ele deve perder as próximas
eleições. O preço do petróleo tende a subir e com a necessidade ideológica, de
barrar os governos progressistas e de esquerda, eles precisam derrubar Maduro.
Como disse Trump: primeiro vamos
derrubar o governo Maduro, depois virá Cuba, Nicaragua, etc.
27.
Antes de iniciar a fase de maior
ofensiva externa, o governo Trump tentou criar as condições internas de
desestabilização econômica e politica. Nomeando a Guaido, desconhecido das
forças politicas do país, e inclusive, não representativo das forças burguesas
de oposição, como sendo o novo governo legítimo. Ou seja, trataram de dar um golpe
constitucional, porém ilegal. Repetindo a fórmula utilizada contra o Presidente Lugo, contra o Presidente Zelaya
e contra a Presidenta Dilma.
28.
E essa nova etapa, pode chegar a
uma invasão militar. Criaram um governo fantoche, que nem se quer é conhecido
no país, totalmente a margem de qualquer eleição ou legalidade. E agora,
bastaria aumentar o cerco, a pressão internacional e quem sabe uma intervenção
cirúrgica.
29.
Porem essa tática derradeira
depende de muitas variáveis. A sociedade
americana não aceitaria perder seus soldados numa guerra injustificável, e
então teriam que usar forças da OEA. Mas na OEA fizeram apenas 16 votos dos 34.
E não tiveram maioria nem autorização para uma invasão legalizada pela OEA.
Tentaram no conselho de segurança da ONU que também lhes negou direito para
invadir a Venezuela, com os bloqueios da Rússia, China e outros países.
Sobrariam as forças armadas da Colômbia e do Brasil o que não parece ser fácil
sua adesão, com as consequências para a politica interna e da disposição
politica das forças armadas destes países.
30.
A última tática seria então uma
intervenção militar cirúrgica, por aviação, como fizeram na Iugoslávia,
Ucrânia, Líbia e na Síria para quebrar a sustentação econômica do governo e
forçar a derrubada. Mas antes de uma intervenção militar, eles precisariam
ainda romper com o elo de unidade existente na Venezuela entre as forças
armadas bolivarianas e a maioria do povo. Essa unidade derrotará qualquer
intervenção militar, causando um alto custo de vidas humanas e politico ao
governo Trump.
31.
Essa aventura militar, poderia
se transformar num conflito bélico internacional com a provável solidariedade
da Rússia, Iran e Turquia, transformando a Venezuela numa Siria latinoamericana,
com desfechos improváveis, e altos custos aos norte-americanos, como de fato
está acontecendo na Síria.
32.
Ainda como consequência dessa
intervenção militar, uma grave contradição para as forças imperialistas: com
uma provável derrota das forças direitistas invasoras, os Estados Unidos teriam
então que receber uma nova e grande migração de toda burguesia venezuelana, que
numa derrota militar, não teria mais espaço político e social no país como
aconteceu depois da derrota militar da invasão na Bahia dos porcos em Cuba.
33. Nesse cenário,
no dia 23 de fevereiro de 2019, Estados Unidos e seus aliados colombianos planejaram
uma invasão através da fronteira colombiana com a intenção de instalar o governo
autoproclamado de Gaudió numa prefeitura da região fronteiriça. No entanto,
logo ficou nítido que Guadió mentiu ao dizer que contava com apoio dos
venezuelanos e a tentativa de invasão caiu na sua própria armadilha. Não houve
multidões em seu apoio, nem do lado colombiano, nem do lado venezuelano.
Pelo contrário, além das forças armadas, centenas de venezuelanos atenderam as
defesa da pátria. Ficou claro que a ajuda humanitária era uma farsa
denunciada até mesmo pela CNN, e tiveram que queimar eles mesmos os dois
caminhões para ocultar o armamento bélico que transportavam. Foi uma vitória
para o povo da Venezuela.
34. No dia 25
de fevereiro estava prevista uma reunião dos governos do Grupo de Lima que, no
caso de invasão, deveriam dar respaldo ao novo governo. No entanto, diante da
derrota da tentativa de invasão, a reunião foi um velório agravado ainda mais
pela posição dos militares brasileiros que, representados pelo General Mourão, votaram
contra qualquer agressão militar.
35. Depois
dessa derrota, a aposta era de que quando Guaidó regressasse ao país seria
preso pelo governo venezuelano, transformando-o em vitima e herói da direita. Mas
o governo foi paciente e o deixou sozinho, nada significativo ocorreu. Pelo
contrário, as manifestações populares que ocorreram na sequenciam conferiram maior
legitimidade ao governo de Maduro.
36. Como retaliação
as sabotagens foram intensificadas. As forças de inteligência da CIA, e quem
sabe de que outro organismo mais operaram sobre os computadores da
hidroelétrica de Guri e sobre a distribuição de energia elétrica induzindo um
apagão de proporção nacional que causou inúmeros transtornos ao povo. O governo
respondeu a mais esse ataque com mais mobilização popular, enquanto a imprensa burguesa
internacional o culpava pelo que havia acontecido. É realmente patético, a
CIA ou outros organismos de inteligência levar a diante um ataque cibernético e
tentarem culpar o governo.
37. Certamente,
as forças imperialistas seguirão tentando asfixiar a Venezuela com bloqueio
econômico e financeiro impondo sanções contra as empresas e indivíduos que tenham
relações com o país. Esse tipo de ação imperialista aconteceu durante 60 anos contra Cuba, e faz
30 anos vem ocorrendo contra Irã. Mas a vontade de um povo unido que tomou para
si as rédeas da construção de seu destino é muito difícil derrotar.
38. Os
próximos meses de 2019 são decisivos para resolver qual será a táctica que os
Estados Unidos vão adotar. Está-se travando na Venezuela uma batalha mundial da
luta de classes que pode marcar a geopolítica de todo século XXI, tão significativa
como foi a Guerra Civil Espanhola nos prolegômenos
da II Guerra Mundial.
39. Por
parte do governo venezuelano é necessário,
nesta batalha, conservar a unidade das forças armadas bolivarianas e manter a
maioria do povo chavista mobilizado na defensa da pátria. No entanto, no curto
e médio prazo, é necessário desenvolver um novo programa econômico que construa
condições para superar os desafios impostos pelo bloqueio ocidental e pela
dependência petroleira para no sentido de um programa de desenvolvimento
econômico que viabilize igualdade social.
40. Hoje, a
defensa da soberania da Venezuela significa a defensa da autodeterminação dos povos
contra o Império. É necessário que estejamos ativos e bem informados sobre cada
o que acontece nesse país. Os próximos passos serão decisivos, e todas as forças
populares e de esquerda do continente e do mundo devemos manifestar claramente em
defensa do processo bolivariano que tem claro está, suas próprias contradições
e desafios como é próprio de todo processo de mudanças estruturais em uma
sociedade.
41.
As próximas semanas e meses
serão decisivos para o desfecho de qual tática os americanos adotarão. Naquele
território estamos travando a batalha da luta de classes mundial, que poderá
demarcar a geopolítica para todo século XXI, assim como foi simbólica a guerra
civil espanhola, para os desdobramentos
numa segunda guerra mundial.
42.
De parte do Governo Venezuelano
será necessário, nesta batalha, manter a unidade das forças armadas
bolivarianas, e manter a maioria do povo chavista mobilizado na defesa da
pátria. No curto e médio prazo, desenvolver um novo programa econômico, que
logre superar os enormes desafios impostos pelo bloqueio ocidental e pela
dependência do petróleo para desenvolver um novo programa de desenvolvimento
econômico com igualdade social.
43.
Hoje a defesa da Soberania na
Venezuela significa a defesa da autodeterminação dos povos contra o império,
precisamos está ativos e bem informados das movimentações. Os próximos passos
serão decisivos, e todas as forças populares e de esquerda, do continente e do
mundo, devemos manifestarmos claramente em defesa do processo bolivariano. Que
tem suas contradições e desafios, que são próprios de todo processo de mudanças
estruturais numa sociedade.
[1] Pascualina Curcio é professora da
Universidad Simón Bolívar, economista e doutora em Ciência Política. O presente
artigo foi apresentado à FUNDALATIN no marco da 40ª sessão do Conselho de
Direitos Humanos da ONU e da visita da Comissão Técnica enviada à Venezuela
pela Alta Comissária dos Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet.Publicado
março 2019 pelo Brasil de Fato, versão para o português: Luiza Mançano.
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