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Íntegra do Agravo Regimental em que o PPS pede que Dilma seja investigada


Excelentíssimo Senhor Ministro Teori Zavascki do Egrégio Supremo Tribunal Federal 
[...]De outro lado, impõe-se advertir que, mesmo na esfera penal, a imunidade constitucional em questão [aquela do Presidente da República] somente incide sobre os atos inerentes à persecutio criminis in judicio. Não impede, portanto, que, por iniciativa do Ministério Público, sejam ordenadas e praticadas, na fase pré-processual do procedimento investigatório, diligências de caráter instrutório destinadas a ensejar a informatio delicti e a viabilizar, no momento constitucionalmente oportuno, o ajuizamento da ação penal. (STF. Tribunal Pleno. Relator Min. Celso de Mello. Inquérito n. 672-6/DF) (grifos no original)
Pet nº 5263
PARTIDO POPULAR SOCIALISTA, partido político regularmente constituído, inscrito no CNPJ sob o nº 29.417.359/0001-40, com sede no SCS, Qd 07, Bloco A, Ed. Executive Tower, Sala 826/828, Pátio Brasil Shopping, Brasília/DF, CEP 70.307-901, vem, por seu advogado (doc. 01) subscritor, respeitosamente, à ínclita presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 317 c/c artigo 21, inciso III, ambos do Regimento Interno deste C. Supremo Tribunal Federal [STF], interpor
AGRAVO REGIMENTAL
com o objetivo de ver reconsiderada ou reformada a r. decisão que, em atendimento ao pedido formulado pelo D. Procurador-Geral da República, determinou o arquivamento de inquérito que visa a investigar a prática de crimes pela Presidente da República.

I. DA R. DECISÃO AGRAVADA

O presente Agravo Regimental visa à reforma da r. decisão disponibilizada no Diário de Justiça Eletrônico no dia 10/03/2015, a qual deferiu o pedido de arquivamento de inquérito formulado pelo D. Procurador-Geral da República em face da Presidente da República, Dilma Rousseff, referente a gravíssimos fatos decorrentes das delações ocorridas no bojo da denominada Operação “Lava Jato”.
Consta na r. decisão que o artigo 86, § 4º, da Constituição Federal não permitiria o andamento de investigação da Presidente da República durante a vigência de seu mandato. Confira trecho da r. decisão agravada a seguir:
3. Dessa narrativa fática, constata-se que o procedimento foi instaurado exclusivamente em relação a Antonio Palocci Filho, porquanto, em relação a “referência a envolvimento indireto” (fl. 68) da campanha da Presidente da República, o próprio Procurador-Geral da República já adiantava excluir, dos elementos à vista, conclusão que conduzisse a procedimento voltado à Chefe do Poder Executivo. Portanto, a rigor, nada há a arquivar em relação à Presidente da República. Aliás, ainda que assim não fosse, é certo que, nos termos da Constituição Federal, “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções” (CF, art. 86, § 4º).  [...]
6. Ante o exposto, defiro o pedido do Procurador-Geral da República e, no que diz respeito a Antonio Palocci Filho, determino a remessa dos presentes autos ao juízo indicado, assim como determino a revogação do regime de sigilo até agora assegurado ao procedimento. [sem grifos no original]
É contra a referida r. decisão agravada, portanto, que a ora Agravante se insurge, confiante de que, nos termos das razões que serão delineadas, será determinada a sua reforma.

II. DO CABIMENTO E DA LEGITIMIDADE
Antes, contudo, de demonstrar as razões que impõem a reforma da r. decisão agravada, faz-se necessário evidenciar o cabimento do presente recurso.
Conforme consta no artigo 317 do Regimento Interno deste E. Supremo Tribunal Federal, é cabível o recurso de agravo regimental da decisão do Relator que cause prejuízo a direito, tal como ocorre no presente caso. In verbis:
Art. 317. Ressalvadas as exceções previstas neste Regimento, caberá agravo regimental, no prazo de cinco dias de decisão do Presidente do Tribunal, de Presidente de Turma ou do Relator, que causar prejuízo ao direito da parte.
[sem grifos no original]
Consoante o próprio Ministério Público atesta “a operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve” . Nesse contexto, são estimados desvios de recursos públicos que alçam a casa de bilhões de reais. O esquema seria orquestrado por empreiteiras, funcionários públicos, operadores financeiros e agentes políticos.
Com efeito, trata-se da investigação de crimes que “ofendem sobremaneira a estrutura social e, por conseguinte, o interesse geral” .
Por outro lado, o deferimento do pedido de arquivamento de inquérito referente à Sra. Dilma Rousseff, à mingua das citações veiculadas nas delações transcritas na própria petição apresentada pelo D. Procurador-Geral da República, causa gravíssimo prejuízo ao direito de ver devidamente apurada a existência de infração penal.
In casu, o depoimento de PAULO ROBERTO COSTA [Termo de Colaboração nº 16] colacionado pelo D. Procurador-Geral da República em sua petição traz citações diretas da Sra. Dilma Rousseff e ao esquema de desvio de recursos públicos para o financiamento da campanha eleitoral presidencial de 2010. Veja abaixo trecho que demonstra o quanto afirmado:
QUE no ano de 2010, acredita que quando ANTONIO PALOCCI já não ocupava nenhum cargo no Governo Federal, recebeu uma solicitação, por meio de ALBERTO YOUSSEF, para que fossem liberados R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) do caixa do PP, para a campanha presidencial de DILMA ROUSSEF; QUE o declarante autorizou referida entrega, sendo que YOUSSEF operacionalizou o pagamento e confirmou ao declarante posteriormente; [...]
[sem grifos no original]
Entretanto, desconsiderando a expressa menção à prática de infração penal envolvendo a atual Presidente da República, a r. decisão agravada, acompanhando a argumentação utilizada pelo D. Procurador-Geral da República, entendeu não ser possível a instauração de inquérito, pois o artigo 86, § 4º, da Constituição Federal não autorizaria.
Ocorre que, conforme se demonstrará nas razões do presente agravo regimental, a imunidade prevista pela Constituição Federal à responsabilização de Presidente da República por ato estranho ao exercício de suas funções não alcança a fase pré-processual, razão pela qual a r. decisão agravada causa inequívoco prejuízo ao direito de toda a população brasileira.
Pelo exposto, mostra-se cabível o presente agravo regimental, uma vez que interposto, no prazo legal, em face de r. decisão proferida pelo Relator da Petição em epígrafe que causa inequívoco prejuízo a direito.
Ainda que não se entenda pelo conhecimento do presente agravo regimental, é certo que a matéria ora tratada é de inegável relevância nacional.
Forte nesse sentido, na hipótese de se negar conhecimento em sua forma regimental, roga-se para que a presente arguição seja suscitada perante o Plenário deste C. STF como questão de ordem.
Trata-se de faculdade conferida à relatoria, consoante previsão regimental veiculada no artigo 21, inciso III, do RISTF. A propósito:
Art. 21. São atribuições do Relator:
III – submeter ao Plenário, à Turma, ou aos Presidentes, conforme a competência, questões de ordem para o bom andamento dos processos;
Importa ainda ressaltar que o ora Agravante possui legitimidade inquestionável para interpor o presente recurso de agravo regimental ou para suscitar a questão de ordem no presente processo.
Isso porque, ainda que não haja ação penal formalmente instaurada, há possibilidade de que partido político com representatividade atue como assistente da acusação, possibilidade essa que, a partir do advento da Lei nº 11.690/08 – que alterou o artigo 159 e outros do Código de Processo Penal –, passou a se admitir também na fase pré-processual. Nesse sentido, vejamos a abalizada doutrina:
“Outro ponto interessante a destacar é que inúmeros laudos são realizados apenas na fase extrajudicial, em virtude de determinação da autoridade policial, razão pela qual não se submetem à participação das partes, oferecendo quesitos e acompanhando a sua feitura. Os exames do cadáver, dos instrumentos do crime, do local, de dosagem alcoólica, toxicológicos, entre outros, são realizados sem nenhuma participação das partes. Isso não impede que, em virtude dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, não possa ser questionados em juízo por qualquer das partes.
O direito à escorreita produção da prova é inafastável, mesmo reconhecendo-se que aguardar seria pior, pois os sinais deixados pelo delito poderiam desaparecer Para compor os interesses de efetivação do laudo em curto espaço de tempo e de participação dos interessados na discussão do seu conteúdo, pode haver complementação da perícia, sob o crivo do contraditório, respeitando-se o devido processo legal (cf. ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito à prova no processo penal, p. 161-162).
ATUALMENTE, ABERTA PELA LEI 11.690/2008 A POSSIBILIDADE DE AS PARTES OFERECEREM QUESITOS E INDICAREM ASSISTENTES TÉCNICOS, TORNA-SE NATURAL PODEREM FAZÊ-LO, SE POSSÍVEL, DESDE A FASE POLICIAL. Não há necessidade alguma de se aguardar a chegada dos autos em juízo, já com a ação penal instaurada. Ademais, acompanhar a prova pericial no momento em que é realizada (fase investigatória) é o objetivo maior. Conforme o caso, se for bem feita, nem mesmo ação penal haverá, pois é possível não se comprovar a materialidade ou mesmo a autoria da infração penal.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. pp. 406/407)
Ainda que os dispositivos legais alterados digam respeito especificamente à atuação do assistente na fase pré-processual de produção provas, o normativo demonstra que a intenção clara do legislador é a de admitir, a partir de então, que a assistência da acusação já se manifeste desde a fase inicial das apurações, não subsistindo mais os entendimentos desatualizados que restringiam essa intervenção apenas para o momento posterior ao da instauração da ação penal.
Mas ainda que assim não fosse, o interesse público de que se reveste a causa em questão e especialmente os prejuízos que tais fatos trouxeram a uma das maiores empresas públicas brasileiras – com reflexos observados diariamente no âmbito econômico e na própria imagem do Brasil – já seriam suficientes para configurar a hipótese de autorização de intervenção de terceiros interessados.
Isso porque a norma interna desse E. STF que permite a interposição do regimental o autoriza na hipótese em que a decisão de um Relator “causar prejuízo à parte”. E é essa precisamente a hipótese que se vislumbra nesses autos, pois o PPS e todos os seus eleitores e representados são, assim como todos os demais cidadãos brasileiros, prejudicados com as graves denúncias arquivadas por meio dessa PET.
Ora, esse próprio E. STF já reconheceu a importância central dos partidos no sistema político brasileiro, sendo a filiação a eles não apenas um requisito de elegibilidade, mas também uma forma de exercício pleno da representatividade popular, especialmente configurado para permitir a atuação das minorias e o exercício do direito de oposição parlamentar, conforme bem colocado na ementa do MS 26603, de Relatoria do E. Ministro Celso de Mello, verbis:
“A NATUREZA PARTIDÁRIA DO MANDATO REPRESENTATIVO TRADUZ EMANAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE PREVÊ O “SISTEMA PROPORCIONAL”. - O mandato representativo não constitui projeção de um direito pessoal titularizado pelo parlamentar eleito, mas representa, ao contrário, expressão que deriva da indispensável vinculação do candidato ao partido político, cuja titularidade sobre as vagas conquistadas no processo eleitoral resulta de “fundamento constitucional autônomo”, identificável tanto no art. 14, § 3º, inciso V (que define a filiação partidária como condição de elegibilidade) quanto no art. 45, “caput” (que consagra o “sistema proporcional”), da Constituição da República. – O sistema eleitoral proporcional: um modelo mais adequado ao exercício democrático do poder, especialmente porqueassegura, às minorias, o direito de representação e viabiliza, às correntes políticas, o exercício do direito de oposição parlamentar.(…) A INFIDELIDADE PARTIDÁRIA COMO GESTO DE DESRESPEITO AO POSTULADO DEMOCRÁTICO. – A exigência de fidelidade partidária traduz e reflete valor constitucional impregnado de elevada significação político- -jurídica, cuja observância, pelos detentores de mandato legislativo, representa expressão de respeito tanto aos cidadãos que os elegeram (vínculo popular) quanto aos partidos políticos que lhes propiciaram a candidatura (vínculo partidário). - O ato de infidelidade, seja ao partido político, seja, com maior razão, ao próprio cidadão-eleitor, constitui grave desvio ético-político, além de representar inadmissível ultraje ao princípio democrático e ao exercício legítimo do poder, na medida em que migrações inesperadas, nem sempre motivadas por justas razões, não só surpreendem o próprio corpo eleitoral e as agremiações partidárias de origem – desfalcando-as da representatividade por elas conquistada nas urnas -, mas culminam por gerar um arbitrário desequilíbrio de forças no Parlamento, vindo, até, em clara fraude à vontade popular e em frontal transgressão ao sistema eleitoral proporcional, a asfixiar, em face de súbita redução numérica, o exercício pleno da oposição política. A prática da infidelidade partidária, cometida por detentores de mandato parlamentar, por implicar violação ao sistema proporcional, mutila o direito das minorias que atuam no âmbito social, privando-as de representatividade nos corpos legislativos, e ofende direitos essenciais – notadamente o direito de oposição – que derivam dos fundamentos que dão suporte legitimador ao próprio Estado Democrático de Direito, tais como a soberania popular, a cidadania e o pluralismo político (CF, art. 1º, I, II e V).”
(MS 26603, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318)
Assim, é evidente que, seja por força da novel possibilidade de se admitir a participação de assistentes de acusação já na fase pré-processual – em decorrência da aplicação analógica da modificação legislativa deflagrada pela Lei nº 11.690/08 –, seja pela interpretação literal do dispositivo regimental desse E. STF que autoriza a interposição do agravo regimental contra decisões de Relator que possam vir a causar prejuízo à parte, é perfeitamente cabível a presente medida, sendo o Agravante parte legítima para interpô-la.
Posto isso, seja como agravo regimental, seja como questão de ordem, será demonstrada a seguir matéria de relevância mor ao andamento dos inquéritos concernentes à Operação Lava-Jato, cuja apreciação é inarredável por parte deste C. STF, mormente porquanto essencial à manutenção e consolidação jurisprudencial.
III. DAS RAZÕES QUE AUTORIZAM A REFORMA DA R. DECISÃO AGRAVADA. DA JURISPRUDÊNCIA DESTE C. STF ACERCA DO ART. 86, § 4º, DA CF88
Conforme já foi mencionado, conquanto haja expressa referência no Termo de Colaboração n. 16 à prática de ilícito penal envolvendo a Sra. Dilma Rousseff, a r. decisão agravada, ao reputar correto o pedido formulado pelo D. Procurador-Geral da República, considerou inviável a instauração de inquérito em relação à Presidente da República Dilma Rousseff, sob a pecha da imunidade contida no artigo 86, § 4º, da Constituição da República.
Contudo, importante esclarecer que não há, no presente caso, qualquer óbice à instauração de inquérito que busque a apurar eventual prática de ilícito penal por parte da Presidente da República por ato estranho ao exercício de suas funções.
Isso porque, mesmo a par da magna posição de hegemonia do Presidente da República no contexto político-institucional, nosso sistema constitucional, em atenção ao primado republicano, não o exonera da responsabilidade emergente por seus atos.
Tanto que a terminologia do artigo 86, §4º, da Constituição Federal, longe de se traduzir em indulgência absoluta de ordem pessoal, é precisa quanto à incidência da imunidade apenas sobre a responsabilização (judicial) durante o curso do mandato. Veja, a propósito, a redação do mencionado dispositivo constitucional:
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
§ 4º – O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
[sem grifos no original]
Ora, como é claro da redação da referida norma constitucional, o Presidente da República, enquanto no exercício de seu mandato, reveste-se de prerrogativa de ordem constitucional a fim de não ser responsabilizado por atos que não sejam relacionados ao exercício de suas funções.
Disso decorre que o processo-crime conta o Chefe do Poder Executivo, por atos alheios ao exercício de suas funções, não pode ser instaurado durante a vigência de seu mandato. Trata-se, de fato, de entendimento doutrinário pacífico, como bem pontua FERNANDO CAPEZ :
Instituída pelo art. 86 § 4º, impede, durante a vigência do mandato presidencial, a instauração de processo-crime contra o chefe do Executivo. É necessário, no entanto, que os fatos imputados sejam estranhos ao exercício da função, uma vez que, em se tratando de atos propter officium, não estará impedida a persecução penal. Nesse sentido: STF, Inq. 1.418/RS, rel. Min. Celso de Mello, DJU, 8 nov. 2001, Seção 1, p. 7.
[sem grifos no original]
É evidente, assim, que o Chefe do Poder Executivo, por disposição constitucional, possui imunidade processual temporária, durante a qual não poderá ocorrer a instauração de processo-crime.
Em contrapartida, o mencionado dispositivo constitucional não impede que o inquérito volvido a apurar a prática de ilícito penal seja instaurado, tendo em vista que não se trata de processo-crime, mas sim de fase pré-processual.
Nesse exato sentido, há muito se sedimentou a jurisprudência deste C. STF, como se percebe do emblemático julgamento da questão de ordemdecidida pelo Tribunal Pleno, no Inq n. 672-6, sob relatoria do Min. Celso de Mello, no qual se dispôs o seguinte:
[...]De outro lado, impõe-se advertir que, mesmo na esfera penal, a imunidade constitucional em questão [aquela do Presidente da República] somente incide sobre os atos inerentes à persecutio criminis in judicio. Não impede, portanto, que, por iniciativa do Ministério Público, sejam ordenadas e praticadas, na fase pré-processual do procedimento investigatório, diligências de caráter instrutório destinadas a ensejar ainformatio delicti e a viabilizar, no momento constitucionalmente oportuno, o ajuizamento da ação penal. (STF. Tribunal Pleno. Relator Min. Celso de Mello) (grifos no original)
Outra não é a opinião da doutrina, como esclarece EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA  no sentido de que, por ocorrer em momento anterior à provocação da jurisdição penal, o inquérito insere-se na fase pré-processual, sendo certo que serve de importante meio para que o responsável pela acusação possa formar o seu convencimento. Confira-se:

A fase de investigação, portanto, em regra promovida pela polícia judiciária, tem natureza administrativa, sendo realizada anteriormente à provocação da jurisdição penal. Exatamente por isso se fala em fase pré-processual
, tratando-se de procedimento tendente ao cabal e completo esclarecimento do caso penal, destinado, pois, à formação do convencimento (opinio delicti) do responsável pela acusação.
Bem se vê, portanto, que, no presente caso, não deve incidir o disposto no artigo 86, § 4º, da Constituição da República, uma vez que não se trata, no momento, de provocação da jurisdição penal, mas, tão-somente, de instauração de inquérito destinado a apurar fatos e, eventualmente, formar o convencimento acerca da existência (ou não) de ato que tenha infringido norma penal.
Com efeito, este C. Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, houve por bem consignar o entendimento de que a imunidade estabelecida pelo artigo 86, § 4º, da Constituição Federal é processual temporária, incidindo, portanto, sobre a fase processual da persecução penal. Sobre o assunto, veja dois julgados representativos da matéria em voga:
INQUÉRITO – PRESIDENTE DA REPÚBLICA – ATOS ESTRANHOS À FUNÇÃO PRESIDENCIAL – FATOS SUPOSTAMENTE DELITUOSOS COMETIDOS DURANTE A CAMPANHA ELEITORAL DE 1989 – CF, ART. 86, § 4º – DISCIPLINA DO TEMA NO DIREITO COMPARADO – IMUNIDADE TEMPORÁRIA DO CHEFE DE ESTADO À PERSECUÇÃO PENAL EM JUÍZO - INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA A EVENTUAL AÇÃO PENAL – DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À ORIGEM. – O art. 86, § 4º, da Constituição, ao outorgar privilégio de ordem político-funcional ao Presidente da República, excluiu-o, durante a vigência de seu mandato – e por atos estranhos ao seu exercício -, da possibilidade de ser ele submetido, no plano judicial, a qualquer ação persecutória do Estado. A cláusula de exclusão inscrita nesse preceito da Carta Federal, ao inibir a atividade do Poder Público,em sede judicial, alcança as infrações penais comuns praticadas em momento anterior ao da investidura no cargo de Chefe do Poder Executivo da União, bem assim aquelas praticadas na vigência do mandato, desde que estranhas ao ofício presidencial. - A norma consubstanciada no art. 86, § 4º, da Constituição, reclama e impõe, em função de seu caráter excepcional, exegese estrita, do que deriva a sua inaplicabilidade a situações jurídicas de ordem extrapenal. O Presidente da República não dispõe de imunidade, quer em face de ações judiciais que visem a definir-lhe a responsabilidade civil, quer em função de processos instaurados por suposta prática de infrações político-administrativas, quer, ainda, em virtude de procedimentos destinados a apurar, para efeitos estritamente fiscais, a sua responsabilidade tributária. – A Constituição do Brasil não consagrou, na regra positivada em seu art. 86, § 4º, o princípio da irresponsabilidade penal absoluta do Presidente da República. O Chefe de Estado, nos ilícitos penais praticados “in officio” ou cometidos “propter officium”, poderá, ainda que vigente o mandato presidencial, sofrer a “persecutio criminis”, desde que obtida, previamente, a necessária autorização da Câmara dos Deputados. – A circunstância de os fatos apontados como delituosos não terem ocorrido na vigência do mandato presidencial afasta, na hipótese, a competência penal originária do Supremo Tribunal Federal, impondo-se, em conseqüência, a devolução dos autos ao Tribunal de origem, para as providências investigatórias que julgar cabíveis.
(Inq 672 QO, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1992, DJ 16-04-1993 PP-06431 EMENT VOL-01699-02 PP-00249)
- PRESIDENTE DA REPUBLICA: RESPONSABILIDADE PENAL POR CRIMES COMUNS ESTRANHOS AO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES: HISTÓRICO DA QUESTÃO NO CONSTITUCIONALISMO REPUBLICANO; SOLUÇÃO VIGENTE: IMUNIDADE PROCESSUALTEMPORARIA (CF 88, ART. 86, PARAGRAFO 4.), INCOMUNICAVEL AO CO-AUTOR: CONSEQUENTE INCOMPETENCIA DO STF PARA A AÇÃO PENAL EVENTUALMENTE PROPOSTA, APÓS EXTINTO O MANDATO, POR FATO ANTERIOR A INVESTIDURA NELE DO EX-PRESIDENTE DA REPUBLICA; PROBLEMA DA PRESCRIÇÃO.
1. O QUE O ART. 86, PARAGRAFO 4. CONFERE AO PRESIDENTE DA REPUBLICA NÃO E IMUNIDADE PENAL, MAS IMUNIDADE TEMPORARIA A PERSECUÇÃO PENAL: NELE NÃO SE PRESCREVE QUE O PRESIDENTE E IRRESPONSAVEL POR CRIMES NÃO FUNCIONAIS PRATICADOS NO CURSO DO MANDATO, MAS APENAS QUE, POR TAIS CRIMES, NÃO PODERA SER RESPONSABILIZADO, ENQUANTO NÃO CESSE A INVESTIDURA NA PRESIDENCIA.
2. DA IMPOSSIBILIDADE, SEGUNDO O ART. 86, PARAGRAFO 4. DE QUE, ENQUANTO DURE O MANDATO, TENHA CURSO OU SE INSTAURE PROCESSO PENAL CONTRA O PRESIDENTE DA REPUBLICA POR CRIMES NÃO FUNCIONAIS DECORRE QUE, SE O FATO E ANTERIOR A SUA INVESTIDURA - E, PORTANTO, NÃO INCIDE A SUM. 394 -, O SUPREMO TRIBUNAL NÃO SERÁ ORIGINARIAMENTE COMPETENTE PARA A AÇÃO PENAL QUE, DEPOIS DE EXTINTO O MANDATO, SE VENHA EVENTUALMENTE A PROPOR CONTRA O EX-PRESIDENTE.
3. A IMUNIDADE TEMPORARIA A PERSECUÇÃO PENAL CONTRA O PRESIDENTE DA REPUBLICA, NOS TERMOS DO ART. 86, PARAGRAFO 4. DA CONSTITUIÇÃO, NÃO SE COMUNICA AO CO-AUTOR DO FATO.
4. NA QUESTÃO SIMILAR DO IMPEDIMENTO TEMPORARIO A PERSECUÇÃO PENAL DO CONGRESSISTA, QUANDO NÃO CONCEDIDA A LICENCA PARA O PROCESSO, O STF JA EXTRAIRA, ANTES QUE A CONSTITUIÇÃO O TORNASSE EXPRESSO, A SUSPENSÃO DO CURSO DA PRESCRIÇÃO, ATÉ A EXTINÇÃO DO MANDATO PARLAMENTAR: DEIXA-SE, NO ENTANTO, DE DAR FORÇA DE DECISÃO A APLICABILIDADE, NO CASO, DA MESMA SOLUÇÃO, A FALTA DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PARA, NESTE MOMENTO, DECIDIR A RESPEITO.
(Inq 567 QO, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/1992, DJ 09-10-1992 PP-17481 EMENT VOL-01679-01 PP-00023 RTJ VOL-00114-01 PP-00136)
[sem grifos no original]
De fato, a própria jurisprudência colacionada pelo D. Procurador-Geral da República é clara ao determinar que a imunidade garantida ao exercício do mandato presidencial não é penal, mas sim processual temporária, sendo certo que se refere à instauração de processo penal, conforme pode ser percebido pelos trechos destacados a seguir:
Presidente da República: responsabilidade penal por crimes comuns estranhos ao exercício de suas funções: histórico da questão no constitucionalismo republicano; solução vigente: imunidade processualtemporária (CF 88, art. 86, § 4º): conseqüente incompetência do STF para a ação penal eventualmente proposta, após extinto o mandato, por fato anterior à investidura nele do ex-Presidente da República; problema da prescrição.
1. O que o art. 86, § 4º, confere ao Presidente da República não é imunidade penal, mas imunidade temporária à persecução penal: nele não se prescreve que o Presidente é irresponsável por crimes não funcionais praticados no curso do mandato, mas apenas que, por tais crimes, não poderá ser responsabilizado, enquanto não cesse a investidura na presidência.
2. Da impossibilidade, segundo o art. 86, § 4º, de que, enquanto dure o mandato, tenha curso ou se instaure processo penal contra o Presidente da República por crimes não funcionais, decorre que, se o fato é anterior à sua investidura, o Supremo Tribunal não será originariamente competente para a ação penal, nem conseqüentemente para o habeas corpus por falta de justa causa para o curso futuro do processo.
3. Na questão similar do impedimento temporário à persecução penal do Congressista, quando não concedida a licença para o processo, o STF já extraíra, antes que a Constituição o tornasse expresso, a suspensão do curso da prescrição, até a extinção do mandato parlamentar: deixa-se, no entanto, de dar força de decisão à aplicabilidade, no caso, da mesma solução, à falta de competência do Tribunal para, neste momento, decidir a respeito.
(HC 83154, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 11/09/2003, DJ 21-11-2003 PP-00008 EMENT VOL-02133-03 PP-00554)
Com efeito, a jurisprudência deste C. STF é tão clara nesse sentido que foi utilizada para guiar a decisão do E. STJ de recebimento dos inquéritos propostos contra governadores de estado, no bojo da mesma operação.
Perceba que o Exmo. Min. Luis Felipe Salomão, fundado na jurisprudência deste C. STF, conclui que a imunidade (que, naquele caso, apenas demandaria a autorização das casas legislativas estaduais) seria concernente apenas à fase processual, não sendo extensível ao mero inquérito. A propósito:
Revela anotar, ademais, que a jurisprudência da Suprema Corte estabelece que, no exercício do poder constituinte derivado, há possibilidade de os Estados exigirem autorização das Assembleias para o processo e julgamento dos Governadores (RTJ 158/280). Todavia, é bem de ver que, nesta fase inicial da investigação, ainda não é o caso de requerer autorização prévia das assembleias legislativas, conforme reafirmou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4791. (…) (grifamos)
Ora, é claro, portanto, que a norma contida no artigo 86, § 4º, da Constituição Federal não se presta a impedir que seja instaurado inquérito que objetive a apurar eventual crime cometido por Presidente da República em ato alheio ao exercício de sua função, pois não se trata de ação penal, quanto menos responsabilização penal, mas sim de formação de convencimento do responsável pela acusação, fato que, por si, já autoriza a reforma da r. decisão agravada.
Além da não incidência da imunidade temporária processual ao caso, importante consignar que a mera leitura da petição apresentada pelo D. Procurador-Geral da República permite concluir que existem elementos suficientes aptos a autorizar a instauração de inquérito penal, tanto que este agasalha sua omissão na imunidade, e não na falta de provas.
Isso porque, colhe-se do Termo de Colaboração n. 16, que o depoente PAULO ROBERTO COSTA expressamente menciona ter existido esquema destinado a desviar recursos públicos para financiar a campanha eleitora da Sra. Dilma Rousseff durante o pleito eleitoral presidencial de 2010.
De fato, PAULO ROBERTO COSTA retrata, de modo fiel em todos os seus pormenores, que foi desviada a vultosa quantia de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) para a campanha presidencial da Sra. Dilma Rousseff.
A referida afirmação, realizada em sede de Termo de Colaboração, possui, ainda que isoladamente, valor suficiente para que seja instaurado inquérito destinado a apurar o suposto desvio de recurso público relatado, tal como foi considerado nos demais casos.
Não há como se ignorar que os fatos narrados estão diretamente relacionados à Sra. Dilma Rousseff, a qual foi, nos termos narrados por PAULO ROBERTO COSTA, diretamente beneficiada pelo desvio de recurso público, pois este serviu para financiar a sua campanha presidencial.
Trata-se, sem qualquer dúvida, de questão que não pode simplesmente ser deixada à margem de qualquer investigação, sob pena de se arrasar com a credibilidade institucional da República Brasileira.
Impedir, ao menos, a apuração de alegações gravíssimas de recebimento de valores ilícitos é conferir à imunidade judicial extensão que a própria Constituição Federal não atribuiu ao cargo de Chefe do Executivo.
Ao dispor, no artigo 86, § 4º, de imunidade de “responsabilização” a Assembleia Constituinte o fez conscientemente, e não por simples atecnia ou outro motivo estilístico.
Pelo contrário, buscou-se afastar eventual restrição funcional à chefia do executivo, mas sem descontinuar eventual apuração; em suma, sem malfada-las ao esquecimento, tal como se pretende no caso concreto.
Com efeito, ao dispor que “não há viabilidade jurídica para apuração dos fatos em detrimento da Presidente da República”, o D. Procuradoria da República, avalizado por esta D. Relatoria, se opõe a apurar com notória desrazão, não apenas em detrimento da Constituição Federal, mas dos anseios e clamores da população vitimada em meio ao momento infausto que assola o país.
Assim sendo, é inarredável a conclusão de que a instauração de inquérito é um munus publico essencial para que os fatos concernentes às afirmações gravíssimas realizadas por PAULO ROBERTO COSTA que imputam a prática de ilícito penal à Sra. Dilma Rousseff sejam devidamente apurados e, eventualmente após o fim do mandato, possam servir de importante meio de convencimento àquele que possui a responsabilidade acusatória.
Ademais, ainda que se afirme não haver, no presente caso, o que se arquivar a rigor, o resultado prático da decisão do E. Ministro Relator foi, enfim, o arquivamento de apuração de fatos existentes e que, ao contrário do entendimento esposado pelo Ilmo. PGR, é sim possível e também necessária.
Pelo exposto, tendo em vista que a imunidade processual temporária contida no artigo 86, § 4º, da Constituição Federal não se aplica à situação analisada na r. decisão agrava, bem como de que existem elementos suficientes à instauração de inquérito destinado a apurar fatos relacionados à Sra. Dilma Rousseff, a devida apuração dos fatos narrados se mostra não apenas juridicamente possível, mas antes inerente e consubstancial ao primado do regime republicano.

IV. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer seja o presente agravo regimental recebido e submetido à Colenda Segunda Turma deste Egrégio Supremo Tribunal Federal para que, reputando-se improcedentes as razões invocadas pelo D. Procurador-Geral da República de extensão de imunidade processual penal à fase de inquérito, seja reconsiderada a r. decisão agravada, possibilitando, com isso, a instauração de inquérito destinado à apuração de ilícito penal cometido pela Sra. Dilma Rousseff durante a campanha presidencial de 2010.
Subsidiariamente, caso não se entenda possível o conhecimento do presente agravo regimental, o que se admite por hipótese, roga-se para que suas razões sejam recebidas e suscitadas como Questão de Ordem, nos termos do artigo 21, inciso III, do RISTF, destinada à apreciação por parte do Plenário deste C. STF.
Requer, por fim, a concessão de prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do artigo 37 do CPC, para a juntada da procuração.
Termos em que,
Pede deferimento.
Brasília, 13 de março de 2015
Renato Campos Galuppo
OAB/MG 90.819

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