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Deputado quer mudar nome da Escola Preparatória de Cadetes do Exército e rebatizá-la com novo nome de um ex-perseguido pela Ditadura Militar. Projeto de Lei é polêmico.

PROJETO DE LEI Nº_________, DE 2014. 
(Renato Simões – PT/SP)




Propõe atribuir à Escola Preparatória de Cadetes do Exercito de Campinas a denominação Escola 
Preparatória de Cadetes do Exército de Campinas “Cônego Milton Santana“. 



O Congresso Nacional decreta: 

 Art. 1º. Fica alterada a denominação da Escola Preparatória de Cadetes do Exército de Campinas para Escola Preparatória de Cadetes do Exército de Campinas "Cônego Milton Santana”. 

 Art. 2º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. 

JUSTIFICATIVA 

O cinquentenário do Golpe Militar de 31 de março de 1964 coloca para a sociedade brasileira a oportunidade de exercer plenamente seu Direito à Memória, à Verdade e à Justiça. Uma das mais ricas diretivas neste sentido é que a memória deste período da história do Brasil seja reavivada em tantos quantos monumentos, lugares e personagens quantos forem possíveis. O resgate e registro desses acontecimentos históricos é um direito das novas gerações e é nossa responsabilidade efetivá-lo. 
Não por outra razão o atual Plano Nacional de Direitos Humanos tem como um dos eixos o restabelecimento da memória e da verdade sobre os fatos que cercaram a ditadura militar no Brasil. No documento de apresentação do plano, o Ministério da Justiça expõe que "O capítulo que trata do Direito à Memória e à Verdade encerra os temas transversais do PNDH-3. A memória histórica é componente 
fundamental na construção da identidade social e cultural de um povo e na formulação de pactos que assegurem a não repetição de violações de Direitos Humanos, rotineiras em todas as ditaduras, de qualquer lugar do planeta. Nesse sentido, afirmar a importância da memória e da verdade como princípios históricos dos Direitos Humanos é o conteúdo central da proposta. Jogar luz sobre a repressão política do ciclo ditatorial, refletir com maturidade sobre as violações de Direitos Humanos e promover as necessárias reparações ocorridas durante aquele período são imperativos de um país que vem comprovando sua opção definitiva pela democracia”. A Escola Preparatória de Cadetes do Exército de Campinas é uma das mais respeitadas instituições militares de nosso país, e responde pela expressiva missão de "Selecionar e preparar o futuro cadete da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), iniciando a formação do oficial combatente do Exército Brasileiro". 
Para bem implementar essa missão, a instituição apresenta sua Visão de Futuro: "A EsPCEx deverá continuar sendo uma escola:  
- de recursos humanos motivados, pró-ativos, focados na sua nobre missão, orgulhosos do passado e com fé inabalável na grandeza do futuro do Exército e do Brasil; 

- de infraestrutura adequada ao cumprimento de sua missão; 

- de patrimônio histórico preservado, que desperte orgulho em todo o seu público e que sirva de inspiração dos valores materiais e imateriais cultuados pelo Exército Brasileiro e defendidos pelos nossos antepassados; e 

- com efetivas práticas de gestão, mantendo um ensino de excelência alinhado às necessidades do Exército Brasileiro”. 

 Durante o período de exceção no país, a Escola de Cadetes de Campinas foi - como tantas outras unidades militares espalhadas por todo o país - espaço para a detenção e prisão ilegal de militantes da resistência democrática de Campinas e Região, tendo recebido inclusive presos originalmente recolhidos às dependências do DEOPS e do DOI-CODI de São Paulo, conforme depoimentos colhidos junto a ex-presos políticos que por ali passaram. 

 Jogou, assim, um papel importante na repressão política de uma das mais importantes regiões metropolitanas do país, Campinas, e carrega em suas instalações destinadas à educação as marcas da tortura, da violência, do arbítrio. 

 Marcas indeléveis, que comprometem os postulados de sua Missão e de sua Visão de Futuro, visto que em sucessivas oportunidades a Escola de Cadetes mantém em sua história a louvação deste triste passado. Em 2006, por exemplo, chocou o país ao atribuir à turma de formandos daquele ano o patronato do Mal. Emílio Garrastazu Médici, ditador de uma das fases mais sanguinárias do regime de exceção. 
Recentemente, poucos dias antes da simbólica data do golpe militar, 31 de março, inaugurou-se em seu interior um Teatro cuja denominação homenageia o primeiro ditador deste ciclo aberto em 1964, o Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco. 

 Que exemplos de "inspiração de valores materiais e imateriais cultuados pelo Exército Brasileiro" podem ser adquiridos numa instituição pedagógica que não fez a revisão histórica de seus erros e continua pranteando ditadores? 
  A Escola Preparatória de Cadetes do Exército de Campinas é um lugar simbólico da vida e da trajetória política de um dos mais queridos e admirados membros do clero da Arquidiocese de Campinas, Cônego Milton Santana, local de sua detenção ilegal, tortura e comprometimento da visão. Será também, com a aprovação da presente lei, lugar do restabelecimento de sua memória e lugar na história de Campinas e do Brasil. A denominação deste espaço com o seu nome, portanto, visa contribuir com o propósito de fixar o seu nome para as novas gerações e de restabelecer a verdade sobre sua história. Visa ainda apresentar às atuais e futuras gerações de cadetes do Exército um paradigma ético inquestionável para o exercício de sua vocação para o serviço da sociedade como oficiais e cidadãos. 

Do homenageado 

Cônego Milton Santana 

“Sempre me fascinou o Cristianismo com os riscos”, foi uma frase que deixou em um dos seus inscritos e marcou todo o desenrolar de sua vida. Nasceu em 24 de abril de 1907 em São Félix, BA, filho de Edmundo Alves de Santana e de Dona Amélia Santana. Estudou na Escola primária Rio Vermelho, em Salvador, de 1914 a 1917. Fez o Seminário Menor em Salvador, de 1927 a 1930. Cursou Filosofia no Seminário Maior de Aracaju, SE, de 1931 a 1932, e Teologia no Seminário Central do Ipiranga, SP, de 1933 a 1936. 

Acolhido por Dom Francisco de Campos Barreto, foi por ele ordenado presbítero em 06 de dezembro de 1936 na Catedral de Campinas. Foi Capelão do Instituto Penido Burnier; Coadjutor da Matriz de Nossa Senhora do Carmo e Nossa Senhora das Dores, em 1938. Assistente da JOC. Pároco de Santa Maria de Jaguariúna, em 21 de janeiro de 1941 e em 1942 a 1952, colaborou na fundação da Paróquia de São Sebastião, em Limeira, onde construiu a Casa Paroquial, o Salão Paroquial e a Sede do Círculo Operário. Fundou ali o Jornal “A Cidade dos Trabalhadores” e uma Creche. Em 17 de março de 1955 assumiu a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima no Bairro Taquaral, em Campinas. Seu primeiro trabalho foi terminar a Igreja Matriz, iniciada pelo primeiro Pároco, Cônego Carlos Menegazzi que, apenas a deixou erguida. Instalou o Posto de Puericultura Beatriz Helena. Desenvolveu ampla Obra Assistencial e Promocional na Paróquia, sempre trabalhando em prol da Justiça Social; conhecido defensor dos oprimidos e marginalizados, sendo até chamado “Padre das Prostitutas” que, naquele tempo eram abundantes no bairro. 

Foi detido e molestado durante o Golpe Militar de 1964, sendo detido na Escola de Cadetes e confinado dois meses em Cananéia, SP, e, tendo ainda, por este motivo, perdido uma das vistas. 

Podem me Cortar a Língua 

Registra o jornal Correio Popular em sua edição de 08 de agosto de 1993 a tortura ao Pe. Milton 
“A pouca visão que padre Milton Santana tem hoje é fruto de um episódio acontecido em 1970, quando recuperava-se de uma cirurgia de catarata. Estava em casa, quando chegou um capitão do exército, um delegado e um escrivão para levá-lo à Escola Preparatória de Cadetes do Exército, esperando que denunciasse a pedagoga Áurea Sigrist, acusada de atos subversivos. Não denunciou, e de testemunha saiu como indiciado em inquérito instaurado pela Polícia federal, junto com a pedagoga, por prática de “atos abusivos”. 
A acusação que pesava sobre a pedagoga era de que ela empregava a guerra psicológica no Ginásio Vocacional de Americana e no Colégio Progresso de Campinas, além de aliciamento de outros professores, para pregação da ideologia comunista. Padre Milton não foi condenado por falta de provas. Mas deste episódio restou-lhe sérios problemas de visão, provocadas, conforme o laudo do médico, pela tortura moral. Recentemente em uma entrevista ao correio popular, onde relembrava esse episódio, padre Milton disse: “nessa revolução me prejudicaram a vista, mas aviso que se houver outra podem me cortar a língua. Só assim poderão me calar. Mas ainda me restarão as mãos para continuar escrevendo”. 

 Cônego Milton Santana era exímio jornalista, publicando periodicamente artigos contundentes nos jornais da cidade, chegando a ser chamado por isso, de “Padre Comunista”. Em 1958, foi nomeado Cônego Honorário do Cabido Metropolitano de Campinas e em 1984, recebeu o título de “Cidadão Campineiro”. 

 Em 1990, Cônego Milton, sofreu um espasmo cerebral e ficou preso a uma cadeira de rodas. Depois de 36 anos de paroquiato, em 12 de março 1993, entregou sua renúncia da Paróquia ao Senhor Arcebispo, Dom Gilberto Pereira Lopes, continuando a residir na Casa Paroquial como Padre Emérito, vindo a falecer aos 03 de abril de 1998, sendo sepultado no Jazigo do Clero, no Cemitério da Saudade, em Campinas. 

 No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas promulgou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em 1998, em comemoração aos 50 anos da Declaração, a Câmara Municipal de Campinas aprovou um Projeto de Resolução que instituiu a “Medalha Cônego Milton Santana de Direitos Humanos”. 

 Peço o apoio dos meus pares à aprovação desse projeto nesta Casa Legislativa a fim de homenagear quem deve ser homenageado e apagar os anos do regime cruel da Ditadura Militar. 

Sala das Sessões, 02 de abril de 2014. 



Deputado Federal Renato Simões 
PT/SP

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